Por João Maurício Brás
Estamos a assistir, usando-se a Ucrânia como o grande bode expiatório, a um conjunto de circunstâncias que expõem como uma evidência que já não vivemos no Ocidente em democracias mas sob a ditadura dos mercados insensíveis à vida das pessoas.
A visão liberal triunfou, a economia já não está dependente da política. Num primeiro momento autonomizou-se, e num segundo momento passou a economia liberal a ditar as regras à política.
As grandes opções políticas, económicas e sociais, na Europa, são ditadas pelos donos dos mercados e a respetiva governança global. Pensemos só em 4 nomes, Monti, Draghi, Barroso, Trichet e do trânsito entre o capital privado, a banca e os governos dos seus países e percebemos um pouco a articulação entre os mercados e a política.
A União Europeia atualmente é um modelo de negócio hiperliberal camuflado com umas ideias progressistas e a pretensão de se afirmar com o império do bem. A UE é o poder transnacional onde são os mercados (que não são livres) os seus donos e os seus funcionários políticos a ditar as regras a cada país. Os Estados falsamente ainda designados de democráticos, só servem para proteger, através da lei, da polícia e dos tribunais os mercados, e para facilitarem em tudo a vida a estes. Como nos explicaram os gurus liberais como Hayek e Mises, qualquer preocupação social e ética está afastada da economia.
A inflação iniciou-se muito antes da invasão da Ucrânia. E tem explicação simples: durante os dois anos da pandemia, os lucros dos mercados, que devem ser ilimitados, foram menores que em situações normais, e havia que os recuperar. No pós-covid assistimos a estímulos permanentes ao consumo, a ofertas de crédito barato, a superprodução e ao aumento intencional dos preços. O consumidor reduzido ao condicionamento pavloviano já preparado para um estado de frenesim pós-pandemia fez aquilo para o qual foi hiperestimulado.
Como o poder político é apenas um departamento dos mercados, e a autorregulação destes é a economia planificada dos donos do mercado, entramos na inevitável espiral de avidez pelo lucro exponencial e assistimos impávidos a mais um capítulo de desregulação brutal das sociedades em nome dos lucros privados. A estratégia do endividamento dos Estados e dos indivíduos permitiu que estes perdessem qualquer autonomia e independência.
O argumento para a subida dos juros é o da contenção da inflação. Mas quem ganha com a brutal subida dos juros? E se se trata de uma correção, porque é sempre feita do lado da procura e nunca do lado da oferta? Ainda hoje recebi propostas de crédito de dois bancos e de duas financeiras. Endivida-te, dizem-me, compra, é Natal. Endivida-te para pagares dívidas.
Tratam-nos como crianças idiotas, primeiro estimulam-nos para o consumo, depois castigam-nos por termos cedido ao estímulo. O sadismo e o simultâneo masoquismo deste modo de relação psicológica e económica são doentios e perversos. Ganham sempre os mesmos, perdem sempre os mesmos… A liberdade de que falam os liberais é sempre sobre lucro particular e exclusivo interesse privado.
Lucrar num período em que toda a gente está a passar dificuldades, lucrar com guerras, é abjeto e devia ser criminoso. O significado do mercado livre é afinal o de um tipo de negócio em que o donos do mercado estipulam as suas próprias regras.