Linda de Suza, intérprete de Um Português (Mala de Cartão), “uma voz incontornável da cultura lusófona e da comunidade portuguesa”, tal como a descreve o seu filho, morreu esta quarta-feira, aos 74 anos, em Gisors, em França, onde se encontrava hospitalizada, devido a “insuficiência respiratória” e diagnosticada com covid-19.
A cantora já tinha estado internada em agosto e setembro por causa de uma infeção pulmonar, revelou o filho, João Lança, em entrevistas que foi fazendo ao longo do final do ano, atualizando o estado de saúde da mãe, numa altura em que iam surgindo notícias e rumores sobre a morte da artista.
“O seu estado de saúde está frágil devido a febres altas. Linda De Suza está a recuperar, somente está triste por não ter vindo estes últimos tempos falar com os seus fãs regularmente”, informou na altura o agente.
Linda de Suza, nome artístico de Teolinda Joaquina de Sousa Lança, nasceu em Beringel, Beja, em 22 de fevereiro de 1948, foi uma popular cantora nos anos 1970 e 1980, tornando-se uma espécie de “voz” para a comunidade emigrante portuguesa.
Interpretando diversos temas sobre as dificuldades e as saudades da sua terra natal, uma vez que teve de se mudar para França para fugir à pobreza, recebeu alcunhas como a “Amália de França” ou “Linda Portuguesa”.
O início da vida da cantora foi marcado por grandes dificuldades, tendo sido educada num orfanato. “Nunca soube o que foi um beijo da minha mãe. Ela não me criou. Eu fui criada num orfanato, o asilo D. Pedro V, dos 5 aos 11 anos”, revelava Linda de Suza, numa entrevista radiofónica, citada pela Sapo.
Só muitos anos mais tarde, em 1983, quando atuou pela primeira vez no Olympia de Paris, convidou a mãe para assistir a um dos seus concertos. “Não tive um sentimento de vingança. Tive orgulho que ela tivesse vindo ver-me”, confessou.
Antes de emigrar para França, com a mala de cartão que figurava na música Um Português, e que deu nome a um dos seus romances, Teolinda trabalhou numa fábrica têxtil e como empregada, na Amadora.
“Vivi na Amadora numa casa pré-fabricada em madeira que foi construída pelo meu pai. Fazíamos as nossas necessidades num balde. Passava lá perto uma pequena ribeira e era lá que, depois as íamos deitar”, confessou na mesma entrevista.
De forma ilegal e com um filho nos braços, mudou-se para França na década de 1970, para fugir ao Estado Novo e a todas as suas restrições. A transição foi complicada, chegando a enveredar pela prostituição para sobreviver, confessou na sua biografia, Des Larmes D’Argent.
Começou a mostrar os seus dotes musicais no restaurante Chez Loisette, em Saint-Ouen, onde foi descoberta pelo compositor André Pascal, que a apresentou, mais tarde, ao colega Alex Alstone.
Apesar de numa primeira abordagem ter sido rejeitada pela editora Barclay, que “torcia o nariz” à sua pronúncia portuguesa, argumentando que não seria aceite pelo público francês, Linda acabaria por assinar pela Carrere, que conseguiu que a artista fosse convidada para cantar no programa de televisão Rendez-Vous du Dimanche, onde interpretou a canção Um Português (Mala de Cartão) perante 20 milhões de espetadores.
Uma canção sobre as saudades da pátria e as dificuldades de ter de trabalhar num país estrangeiro: “Duas malas de cartão numa terra de França / Um Português deixou assim seu Portugal / Como tantos outros, ele não perdeu a esperança / O Português que deixou seu Portugal”. Os seus versos contagiaram o coração de muitos emigrantes que viviam experiências semelhantes a Linda.
“Aqui, à noite junto aos seus amigos / Ele procura viver / Lembra a sua mulher e seus filhos / Ele canta p’ra esquecer”, dizia a letra do single que atingiu o Disco de Platina em França em 1979.
Linda viria a tornar-se na cantora representante da comunidade emigrante portuguesa e com um reportório com canções em português e francês, que inclui temas como J’ai deux pays pour un seul coeur, La Symphonie du Portugal e versões de temas que fazem parte do cancioneiro popular português, caso de Lírio Roxo ou Malhão, Malhão, a artista tornou-se, em termos comerciais, uma das mais bem-sucedidas cantoras de Portugal e uma recordista de vendas. Atualmente, é a terceira artista com mais cópias vendidas, cerca de 8 milhões, apenas superada por Amália e Roberto Leal, no primeiro e segundo lugar respetivamente.
A história de vida da cantora chegou inclusive a ser adaptada para a televisão, numa minissérie intitulada Mala de Cartão (1988), que foi protagonizada por Irene Papas, atriz grega que surgiu em filmes como Z – A Orgia do Poder (1969), de Costa-Gavras ou Zorba, o Grego (1964), de Michael Cacoyannis, que morreu este ano.
Linda era uma estrela e estava habituada a conviver com algumas das maiores personalidades do seu tempo. “Quando o Mário Soares vinha a França eu era sempre convidada para estar com ele, com o Jacques Chirac e o François Mitterrand [ex-Presidentes de França]. O Mário Soares precisava de uma cantora popular e eu estava ali para servir o meu país”, contou ao Correio da Manhã, em entrevista.
No entanto, nos últimos anos a cantora tornou-se uma espécie de relíquia na cultura popular portuguesa e esquecida entre as gerações mais novas. “Quando um prato é velho deita-se fora. Isto é como na política. A experiência da vida mostra-nos que não podemos ser, ter sido e continuar a ser. A vida é assim. Temos de deixar o lugar para os outros. Ninguém é eterno neste Mundo”, confidenciou na entrevista acima citada.
Apesar de, aparentemente, conviver relativamente bem com este “esquecimento”, a cantora confessou recentemente que passou dificuldades financeiras, tendo acusado os antigos produtores de lhe roubar a identidade e de se sustentar com apenas 400 euros mensais da reforma. “Vendi milhões de livros e de discos, mas não tenho nada, nem dinheiro para comprar comida para o meu cão”, disse à rádio RTL.
Regressou aos palcos e, entre 2014 e 2017, realizou várias digressões, tendo, inclusive, em 2020, apresentado um novo projeto, Postais de Portugal, com o qual preparava uma nova digressão que a pandemia de covid-19 obrigou a cancelar.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou a morte da cantora, descrevendo-a como “uma figura a vários títulos emblemática”.
“Linda de Suza fica na nossa memória como exemplo de determinação e de fidelidade. Foi um ícone francês da imigração portuguesa e, portanto, um ícone de Portugal”, escreveu numa nota publicada no site da Presidência da República, apresentando ainda as condolências ao filho e netos da artista.