Vou esclarecer o que me parece necessário:
1. Jamais neguei ter integrado a comissão promotora das celebrações do centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen por convite da Professora Auxiliar Aposentada Maria Andresen.
2. Nunca me baralhei com as datas. A Professora Auxiliar Aposentada Maria Andresen atribui-me um erro que, pelo contrário, é ela que faz. Eu não disse que a conheci em 2018 mas em 2011, quando se deu a sessão de cedência do espólio de Sophia à Biblioteca Nacional, altura em que pedi aos herdeiros autorização para trabalhar no espólio, porque queria procurar os dispersos – era só ler. Em 2018, esclareço, houve uma conferência de imprensa no Centro Nacional de Cultura, na qual se apresentava o centenário de Sophia e na qual foram anunciadas as edições da obra de Sophia a publicar, entre as quais a recolha dos dispersos não ficcionais. Não me parece insultuoso nem ofensivo expor a verdade dos factos, parece-me, antes, proveitoso pôr em causa o que se julga dado e definitivo e haver uma discussão pública sobre temas de público interesse. Calar é «ceder ao desastre» (Sophia). O ponto é que a dita edição dos dispersos na qual trabalhei durante mais de três anos e que consegui preparar em qualidade de Professor Associado da Universidade de Roma Tor Vergata, de director científico da Cátedra Agustina Bessa-Luís, e de investigador visitante junto da Universidade de Lisboa no ano de 2016, cargo que pude assumir graças a uma licença sabática e com a ajuda de uma bolsa de estudo do programa Fernando Pessoa do Instituto Camões — foi repetidamente vetada até depois de assinados os contratos, por mim e pela Professora Maria Andresen, com a editora Assírio e Alvim. Nunca me foi proposta uma comissão editorial para escolha dos textos que, por sinal, já foram em parte dactilografados pelos serviços da editora (cerca de noventa desses textos receberam o dito tratamento).
3. Não ignoro que existe uma lei que protege os direitos de autor durante 70 anos. O que eu na entrevista disse é que essa mesma lei deveria contemplar o dever do herdeiro, pois é legalmente possível até o caso extremo de um herdeiro proibir a publicação da obra que lhe foi legada, impedindo a humanidade (a quem a obra verdadeiramente pertence, como disse na entrevista) de a usufruir. O que seria legal, mas certamente lamentável e imoral.
4. No caso dos dispersos de Sophia, a selecção de material em nome de critérios estéticos pessoais, alheios aos da autora, configurar-se-ia, a meu ver, como um processo de abuso, pois reclamar para si a mesma autoridade da autora para escolher entre o que fora primeiramente publicado, e nunca renegado, implicaria outorgar-se, ou considerar outorgado por direito natural de linhagem, a autoridade necessária. A razão que me foi dada, como a outros estudiosos: «a minha mãe não era ensaísta, era poeta», parece-me insuficiente e confirma o arbítrio. A Professora Maria Andresen deveria esclarecer se fala como especialista da obra de Sophia ou se fala como filha e de onde lhe deriva a autoridade de escolha, se, como disse, por direito natural ou por autoridade científica de especialista na obra de SMBA. Na verdade, é difícil encontrar quais as competências específicas da Professora Maria Andresen que sim trabalhou como professora de Literatura durante 25 anos e publicou um livro: Poesia e pensamento: Wallace Stevens, Francis Ponge, João Cabral de Melo Neto (Lisboa, 2001); sobre SMBA publicou alguns ensaios ligados às publicações por ela organizadas a seguir à morte da autora. Neste contexto quem usa as palavras «pobres ignorantes» referidas aos herdeiros de Sophia, não sou eu, mas a Professora Maria Andresen.
5. Quanto a mim, nunca quis publicar inéditos de SMBA – quem os foi publicando, obviamente a seu indiscutível critério, foi a Professora Maria Andresen; o meu interesse foi desde sempre focado nos dispersos publicados em vida pela autora, condição que lhes atribui, filologicamente, estatuto hierárquico mais elevado em relação aos inéditos. Enquanto textos assumidos in toto pela autora, a meu ver, estes textos não carecem de selecção, pois representam um testemunho vivo do processo intelectual de uma das maiores escritoras de língua portuguesa, como explico nos livros que sobre ela publiquei (Almadilha, Lisboa, 2019; No reino terrível da pureza, Lisboa, 2022); tratando-se de um processo, passa necessariamente por etapas, avanços e recuos, repetições e obsessões, que não são acidentes do percurso mas sim são o próprio percurso.
6. O que a Professora Maria Andresen chama «golpe baixo» tentando «dividir a família» é-me absolutamente alheio. Nada tenho a ver com as dinâmicas entre herdeiros.
7. «Calúnias e mentiras» chama a Professora Auxiliar Maria Andresen às minhas palavras em relação aos herdeiros de artistas e à necessidade que me parece evidente de terem o dever de deixar os especialistas trabalhar os seus espólios e legados. Não vejo de que forma esta evidência possa ser uma calúnia… As minhas reflexões eram, e é evidente, de cunho geral… se a Professora Maria Andresen se sentiu tocada não se deve a estas considerações mas ao entendimento dela.
8. Que a minha entrevista revele a minha intenção de me apropriar de Sophia de Mello Breyner Andresen em Portugal é um conceito que sinceramente não me é acessível. Como tal seria possível? E como, sobretudo, seria possível se a minha intenção, como declaro nos meus livros, era dar a conhecer aos estudiosos de SMBA os materiais dispersos que teriam proporcionado novas leituras, caso tivessem sido disponibilizados. Foi neste sentido que organizei três colóquios internacionais sobre SMBA, e participei em cinco durante os quais não fiz senão divulgar o mais que pude os textos que dela não se conheciam, e que são de grande importância. Foi estimulando este interesse pela poeta que convidei três fotógrafos, António Jorge Silva, Duarte Belo e Pedro Tropa, para preparar uma exposição de fotografia a partir da obra de SMBA, juntamente com José Manuel dos Santos. Foi também por isso que traduzi para italiano, apaixonadamente, a poesia e a prosa de SMBA. Que dediquei anos do meu trabalho a uma autora que admiro.
9. Em relação às razões do convite, não sei o que moveu a Professora Auxiliar Maria Andresen. Em relação a mim, ela já tinha declarado em 2012 ser «um dos mais interessantes investigadores na obra de SMBA» (Ler: Livros e Leitores, segunda série, n.119, Dezembro de 2012). Quanto à finura da minha escrita e do meu pensamento, a minha obra está à vista — os leitores dirão.
10. A propósito do meu método e das minhas intenções, esquece a Professora Maria Andresen que Sophia não é o único autor de que me ocupei. Há também Eugénio de Andrade, José Cardoso Pires, Luís de Camões, Orlando Ribeiro, Ivo Castro, Maria Teresa Horta, Lygia Fagundes Telles, Manuel de Freitas, Al Berto, Haroldo de Campos, Marco Lucchesi, Fernando Pessoa, Francisco de Hollanda, Vasco Graça Moura, José Tolentino Mendonça, Eucanaã Ferraz; todos autores que amo e que estudo e traduzo com o único intuito de estimular em outros o mesmo amor, pois o amor que tenho pelos livros só toma corpo através da partilha. Ser o único nunca me interessou em campo nenhum. Para mim a alegria é estar juntos.