Por Henrique Santos, politólogo
Quando entre 2008 e 2012 foi Presidente da República da Rússia (então Putin cumpria a Constituição russa em vez de a adaptar aos seus interesses pessoais), e depois enquanto primeiro-ministro de 2012 a 2020, Dmitry Anatolievitch Medvedev construiu uma imagem dum político sério, cordial e dialogante, contrastando já nessa altura com a figura austera (não nos seus hábitos pessoais), ríspida e ditatorial do seu Chefe e Mentor.
Desde a invasão da Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, quando se esperava que Medvedev pudesse ser um fator de contenção da brutalidade russa e um interlocutor na busca duma solução que terminasse com este flagelo, tornou-se antes um acérrimo apoiante da guerra e um paladino e instigador das maiores atrocidades das forças russas, para espanto de muitos.
Repentinamente, a 27 de dezembro, uma nova faceta: resolveu armar-se em vidente! E brindou o mundo com as suas previsões para este Novo Ano. Não se lhe conhecia esta sua vocação de tarólogo de meia tigela, e até podia ser cómico se não fosse trágico. Já veremos porquê.
Antes, porém, recordemos algumas dessas assombrosas premonições. Para 2023, Medvedev prevê que:
– Haverá uma guerra entre a França e a Alemanha, a que ele se refere como o Quarto Reich, já que, na sua visão, irá anexar a Polónia, a Chéquia, a Eslováquia, a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a República de Kiev (já que, ‘obviamente’, a Ucrânia já terá sucumbido ao invencível Exército Vermelho!
– Já que quanto à Ucrânia, partes dela serão anexadas pela Polónia e pela Hungria, e o leste será ‘libertado’ pela Mãe Rússia!
– Haverá uma Guerra Civil nos Estados Unidos da América, e a Califórnia e o Texas passarão a Repúblicas independentes, havendo a partir de então uma forte cooperação entre o Texas e o México!
– O novo Presidente destes novos Estados Unidos será Elon Musk!
– A Irlanda do Norte deixa o Reino Unido e junta-se à República da Irlanda!
– O Reino Unido volta a integrar a União Europeia o que, segundo esta nova pitonisa, levará, inexoravelmente, à dissolução da União Europeia e ao colapso e desaparecimento do EURO!
– Posteriormente, e em contradição com algumas profecias anteriores, a Polónia é repartida entre o Quarto Reich e a Pátria russa!
– Para dar alguma esperança à depauperada economia russa, o barril de petróleo vai para os cento e cinquenta dólares, e o custo do gás chega aos cinco mil dólares por mil metros cúbicos!
– Assistiremos ao colapso do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, já que os acordos de Brenton Woods, esse símbolo do capitalismo, deixarão de ter sentido!
– E, finalmente, as grandes praças dos mercados de capitais transferem-se para a Ásia (Eureka! Infelizmente, talvez ele acerta nesta…)!
Esta foi a ‘humilde contribuição’ de Medvedev para que a raça humana saiba o que nos espera este ano.
Alguns poderão questionar-se qual a importância destes disparatados vaticínios para a humanidade: Nenhuma!!! Então para quê dar-lhe relevância?
Dmitri Medvedev continua a ser uma figura muito relevante no Kremlin. É o todo-poderoso Vice-Presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Presidente do Rússia Unida (o maior Partido russo, partido de Putin). A atestá-lo, na última semana foi a ele que Putin confiou a importante missão de ir a Pequim conversar com o Presidente chinês.
Não é um daqueles desconhecidos opinion-makers televisivos ou bloggers russos que, quotidianamente, vociferam ódio ao Ocidente, lamentando por exemplo que o Kremlin não tenha aproveitado as Cerimónias Fúnebres da Rainha Isabel II para lançar uma bomba atómica em Londres e livrar o mundo da ‘escória’ que são os líderes ocidentais.
Medvedev, aos 57 anos, não deve estar demente. Mas, como Rasputine, pode estar vítima de alucinações. Outros necessitam de idolatrar o seu amo e senhor, ultrapassando-o no extremismo de ideias por mais disparatadas que sejam! Não é o seu caso, acaba de ser nomeado para dirigir, nesta fase, o vasto império da indústria militar russa.
Se em vez do Twitter e do Telegram Medvedev tivesse ficado por mais um episódio de intoxicação do seu povo, era mais um problema russo. Mas ao dirigir-se ao ‘nosso’ mundo, por quem nos toma? Pelos mesmos mentecaptos com quem está habituado a lidar? Se o Kremlin continua a fazer os mesmos erros de perceção (como a avaliação da reação ucraniana à invasão), volta a enganar-se redondamente quando nos toma por tolos!
Daí ser grave constatar que a liderança da Rússia está entregue a estas sinistras figuras. De Putin, não é surpresa. Mas quando até os que eram conhecidos como mais ‘liberais’ se comportam nestes termos, com quem estamos a lidar?