O Kremlin lançou sucessivas vagas de assaltos de mercenários da Wagner contra Soledar. Tentavam cortar as rotas de abastecimento até Bakhmut, uma pequena cidade da qual pouco sobra, mas que se tornou um símbolo para o regime de Vladimir Putin, ansioso por uma vitória. Os invasores reclamam ter tomado a cidade e cercado os defensores no seu centro, naquilo a que estrategas russos chamam de «caldeirão», mas o Governo de Kiev assegura que a resistência continua. No entanto, se Soledar abre o caminho para Bakhmut, onde quem manda na linha da frente é a Wagner, a festa desta empresa foi estragada pelo afastamento de um dos seus grandes aliados, o general Sergei Surovikin, que estava no comando das operações na Ucrânia.
Na prática, tudo indica que seja uma espécie de vingança do ministério da Defesa e da liderança militar, sucessivamente insultados pelo líder da Wagner, Yevgeny Prigozhin. Agora será o próprio chefe do Estado Maior russo, Valery Gerasimov, a liderar a chamada «operação militar especial» na Ucrânia, passando Surovikin para o lugar de nº 2. Foi sob a liderança deste, alcunhado de ‘general Armagedão’, que se iniciou a campanha de destruição da infraestrutura energética da Ucrânia, que tem tornado o inverno um pesadelo para a população.
O motivo oficial deste anúncio, que surgiu na quarta-feira, seria criar «um contacto mais próximo entre diferentes ramos das Forças Armadas e melhorar a qualidade e eficácia da gestão das forças russas», declarou o ministério da Defesa russo, liderado por Sergei Shoigu. No entanto, pensa-se que o real motivo fosse o descontentamento do resto da estrutura militar.
«Enquanto comandante único na Ucrânia, Surovikin estava a tornar-se demasiado poderoso. E provavelmente estava a passar por cima de Shoigu e Gerasimov quando falava com Putin», salientou o analista Rob Lee no Twitter. A influência de Surovikin, que é muito apreciado nos círculos mais nacionalistas russos pela sua reputação de brutalidade, só aumentaria caso os seus amigos da Wagner de facto conquistassem Soledar e conseguissem fazer avanços significativos em Bakhmut, após meses de impasse, com combates descritos como semelhantes ao que se viu durante a II Guerra Mundial.
Tomar Soledar significaria para os russos passar a ter um ponto estratégico onde colocar a sua artilharia e atingir as rotas de abastecimento ucranianas. Para variar, dado que boa parte do sucesso da Ucrânia tem-se baseado no seu capaz uso de baterias de mísseis de longo alcance HIMARS, com as quais consegue atingir pontos logísticos estratégicos na retaguarda russa.
Além disso, Soledar possui profundas minas de sal, o grande recurso da região, que poderiam ser usadas para abrigar tropas e equipamento russo, a salvo de mísseis ucranianos. As forças do Kremlin bem precisam disso, dado estimar-se que tenham perdido recentemente centenas de homens num único ataque com HIMARS num quartel improvisado durante o Ano Novo em Makiivka, no oblast de Donetsk. E há quem avise que os túneis de minas de sal se estendem por quilómetros, podendo permitir que os russos surjam debaixo do chão, atrás das linhas defensivas ucranianas.