Por Elsa Severino
O crescimento do país assentou desde sempre na construção civil – tal não significou a resolução do problema da habitação. Os bairros sociais estão em ruína, as cidades descaracterizaram-se, e o território foi invadido pelo betão. Com a atual crise energética, impõe-se o recurso às energias renováveis, com vista a um novo paradigma da habitação.
A criação recente de um Ministério da Habitação, sendo uma tomada de posição política, na efetivação do direito a habitar condignamente, é uma excelente notícia e uma oportunidade acrescida no sentido de resolver os inúmeros problemas da habitação em Portugal, cujo défice total de alojamentos tem vindo a aumentar desde 1974.
Primordialmente, a construção da habitação esteve a cargo da iniciativa privada; embora obedecendo aos regulamentos da construção, a sua matriz tem sido o lucro, refletindo muitas vezes uma realidade especulativa em todo o processo, desde a aquisição dos terrenos, licenciamentos, até à obra concluída.
Por sua vez, o Estado chamou a si a construção de habitação para as classes mais desfavorecidas -a sua matriz tem sido os baixos custos, sacrificando os padrões de qualidade. Segundo dados recentes, metade da população, isto é, cerca de 4,5 milhões de pessoas auferem rendimentos muito baixos, constituindo um preocupante indicador para a necessidade de exigentes políticas de habitação promovidas pelo Estado; no entanto, apenas 2% da habitação é pública, havendo a promessa de se atingir nesta legislatura, a meta dos 5%.
A habitação exige um planeamento territorial mais vasto e interdisciplinar, que considere a proximidade a escolas, centros de saúde, centros empresariais de emprego, zonas comerciais, mas também locais de lazer e espaços verdes, e uma rede de transportes compatível com as necessidades da população. Faltam planos eficazes de ordenamento regional do território, e a defesa dos solos e dos valores naturais é quase inexistente (Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional); segundo Gonçalo Ribeiro Telles – «a ocupação dos espaços livres, a degradação da paisagem e a destruição de valores culturais» tem sido uma constante nos perímetros urbanos ou nas periferias. Nestas últimas, «as matas, as quintas, os caminhos rurais, os lugares notáveis, as ribeiras e outros cursos de água, continuam a ser destruídos», em prol de um falso progresso.
Um crescimento ‘traiçoeiro’ assente no Produto Interno Bruto (PIB) e na construção civil, teve como consequência a proliferação de caóticas urbanizações, indiferentes às características do território, e às necessidades da população portuguesa; a construção em leitos de cheia continua a ser uma realidade, apesar de todos os avisos – na várzea de Loures, na zona ribeirinha de Lisboa, no Vale do Jamor, são exemplos na Área Metropolitana de Lisboa, mas casos semelhantes de desrespeito ambiental estendem-se a todo o país.
Além do problema das cheias e do seu impacto na construção, temos a perda da vocação agrícola destes solos, aumentado a nossa dependência exterior, com custos energéticos elevadíssimos. Refira-se que os aluviões do Tejo e da campina de Loures, constituem um valioso banco de solos férteis (classe A), e são o leito por onde passam as cheias periódicas que afetam, em maior ou menor grau, a região de Lisboa. Estas áreas deveriam ser escrupulosamente interditas a qualquer tipo de impermeabilização, o mesmo se aplicando a todo o país, em circunstâncias idênticas. O Ministério da Habitação, através do seu Plano Nacional, a ser aprovado no Parlamento, tem de ser muito exigente nestas matérias; os 2,7 mil milhões de euros, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) devem ser criteriosamente investidos no sentido de se mudar o paradigma da habitação em Portugal.
Os bairros sociais são o melhor exemplo da segregação de uma população, em virtude dos menores rendimentos que possuem, não sendo admissível a proliferação dos mesmos.
A transformação das cidades, com a destruição dos bairros históricos, a subjugação ao turismo e a transformação de quarteirões em condomínios de luxo, é uma deriva urbanística muito lesiva dos cidadãos e que em nada contribui para resolver os problemas da habitação.
A ausência de espaços verdes de qualidade, com a falta de zonas permeáveis, no interior dos quarteirões e não só, em conflito com o Plano Verde de Lisboa é um sinal de mau urbanismo; as novas urbanizações replicam este pecado original da crescente impermeabilização, acreditando que os faraónicos Planos de Drenagem resolvem todos os erros cometidos. Puro engano!
A crise energética fez-se sentir de forma dramática; assim, as habitações deverão refletir esta realidade, adotando soluções inovadoras, apontando para a ‘energia zero’, renovável; impõe-se uma correta implantação no terreno, com uma adequada ligação clima-edifício; o recurso a modernas técnicas de construção, com novos materiais, uma gestão do ruído, da água, o recurso alargado a painéis solares e mini-eólicas, mas também cisternas de captação de água da chuva, utilização da geotermia, entre outras técnicas amigas do ambiente, no sentido de potenciar os valores naturais que a Terra nos oferece, com vista a uma sustentabilidade duradoura no modo de habitar.