No passado dia 8 de dezembro foi com muita mágoa e consternação que recebi a triste notícia: o Prof. Fernando de Pádua deixava-nos para entrar na Casa do Pai.
Tinha uma idade respeitável, todos o sabemos, mas, à semelhança do que acontece com os que vivem muitos anos – e com quem nos habituámos a conviver no dia-a-dia, mesmo apenas através das imagens televisivas -, existe a ilusão de que viverão para sempre. Aconteceu o mesmo com minha mãe, que partiu aos 97 anos e me parecia ser eterna; e em relação à Rainha de Inglaterra, recentemente desaparecida, existia igual sentimento, como o comprovam os depoimentos de tanta gente anónima que lhe quis prestar a última homenagem. É próprio do ser humano. Há pessoas que não morrem e parecem continuar sempre ao nosso lado, tal foi o testemunho e o exemplo que nos deixaram.
Esta figura ímpar da Medicina e da Cardiologia, de reconhecido mérito nacional e internacional, destacado e brilhante professor universitário, ficará para a História como o grande impulsionador da Medicina Preventiva em Portugal.
Sempre se bateu pela promoção da saúde e prevenção da doença, ensinando-nos a lutar contra os fatores de risco de certas práticas, como o vício do tabaco e o excesso de sal na alimentação. Várias vezes lhe ouvimos dizer que «a saúde é um bem importante de mais para estar só na mão dos médicos, pelo que cada um tem de aprender a cuidar da sua». Como especialista em Medicina Familiar, revejo-me em toda a sua obra e nos programas que desenvolveu.
Tive o privilégio de o conhecer pessoalmente e de com ele ter colaborado. Recordo a criação do Instituto de Cardiologia Preventiva, nascido nos anos oitenta, com a colaboração da então Comissão Colaboradora da ARS de Lisboa, na qual eu era vogal médico.
Este instituto, a que se entregou de alma e coração, era ‘a menina dos seus olhos’. Nessa altura encontrávamo-nos com frequência, e eu constatava a sua preocupação com aquela unidade. Quando em conversa se referia a ela, falava sempre no «nosso instituto».
Foi com ele que aprendi a importância da prevenção no exercício da prática clínica, e ainda hoje me lembro dos seus pertinentes ensinamentos: «Se é importante tratar as doenças, ainda é mais importante preveni-las».
Mais do que um professor ou cardiologista, Fernando de Pádua foi para mim uma referência e um exemplo que procuro seguir. Citei-o uma vez num programa radiofónico onde fui convidado a participar – e, pouco tempo depois, escrevia-me a comentar a entrevista. No cartão que me enviou – e onde desenhava sempre, em jeito de logótipo, um coração a seguir à sua assinatura – referia simpaticamente que «tinha gostado imenso de ouvir falar de mim».
Os meus artigos neste jornal também não o deixavam indiferente, apesar de já notar nele um certo cansaço psíquico inerente à sua idade avançada.
Vimo-nos pela última vez numa cerimónia de homenagem a outro grande vulto nacional, e mal terminou o evento conversámos calmamente, recordando o ‘nosso instituto’. Dizia ele com o maior orgulho: «Está ali uma obra!». Ainda estava cheio de projetos, pois queria viver e trabalhar para além dos 100 anos. Ponham ali os olhos aqueles que têm pressa em vir para casa e deixar de exercer qualquer função quando chegar a reforma!
O Prof. Fernando de Pádua foi justamente condecorado e recebeu vários prémios pelo muito que fez e que nos deixa; mas, acredito, a distinção mais gratificante para ele foi, com certeza, o conjunto das muitas vidas que salvou através do seu trabalho e das estratégias que conseguiu implementar.
Neste adeus de esperança, associo-me à justa homenagem que lhe foi prestada, fazendo minhas as palavras de saudade e de gratidão que a Fundação Prof. Fernando de Pádua lhe dedicou na hora da sua partida: «As palavras são poucas para agradecer o tanto que fez pelo coração de todos nós».
(À memória do Prof. Fernando de Pádua)