Apoiantes de Jair Bolsonaro, descrito como uma «versão tropical» de Donald Trump pelo próprio ex-presidente norte-americano, levaram a cabo aquilo que foi descrito como uma repetição do ataque ao Capitólio, o 6 de Janeiro. Alguns protagonistas do assalto aos três palácios de Brasília – o Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal – até terão sido os mesmos. Tendo a imprensa internacional salientado a importância de figuras como Steve Bannon, um antigo conselheiro de Trump visto como crucial no 6 de janeiro, no alastrar da mentira de que as eleições brasileiras teriam sido roubadas, incentivando a multidão bolsonarista que levou a cabo o chamado 8 de Janeiro. Uma retórica semelhante ao que se ouviu após as presidenciais americanas.
«Não, não, não consigo ver este filme outra vez», troçou o comediante americano Stephen Colbert, no seu programa The Late Show, salientando uma sensação de de déjà vu que se repercutiu por todo o globo. No entanto, se há semelhança entre a polarização política nos Estados Unidos e no Brasil, no nosso país-irmão talvez seja ainda mais grave. Nem que seja por parecer ter existido uma notória sensação de conivência entre os amotinados em Brasília e elementos das forças de segurança. Ainda que parte significativa dos detidos no 6 de Janeiro fossem militares e policias, não há registo de que estivessem de serviço – frustrando os atacantes do Capitólio, muitos dos quais gritavam exigindo à polícia que se juntasse à insurreição. Já em Brasília, há imagens de polícias militares a observarem o ataque calmamente, até com um ar de aprovação, tirando fotos despreocupadamente, chegando alguns a cumprimentar os bolsonaristas.
«A impressão era de um evento previamente organizado», descreveu uma investigação do UOL, contando como a multidão foi escoltada até à Praça dos Três Poderes por fileiras de polícias e militares, saindo do seu acampamento em frente ao quartel-general do Exército, onde exigiam um golpe militar. Seria de esperar que o local estivesse sob pesada vigilância, após a Polícia Civil ter detido dois bolsonaristas que tinham colocado uma bomba num camião cheio de combustível de aviação, perto do aeroporto de Brasília, na semana anterior. «Os tais acampamentos ‘patriotas’ viraram incubadoras de terroristas», declarara o senador Flávio Dino, no Twitter, mas mesmo assim as forças de segurança permitiram que uma multidão saísse de lá e se dirigisse ao coração da capital brasileira. «Ambulantes se sentiram à vontade para vender algodão doce, geladinho, água, cerveja, refrigerante e bandeiras do Brasil em cima do próprio prédio onde os golpistas invadiram», espantou-se um repórter do UOL.
O 8 de Janeiro pode ter falhado em derrubar o Executivo, à semelhança do 6 de Janeiro, mas a extrema-direita americana não deixou de saudar o seus correligionários brasileiros. «Lula roubou a eleição… os brasileiros sabem-no», escreveu Bannon na rede social Gettr, citado pela BBC Brasil, após o ataque à Praça dos Três Poderes, chamando aos insurrectos brasileiros de «lutadores pela liberdade».
No entanto, não foram apenas os ideólogos da direita populista brasileira, grandes fãs de Bannon, a mobilizar a turba. Analistas têm apontado o dedo ao discurso de alguns líderes evangélicos. Notando não só que o mesmo sucedeu no dia 6 de Janeiro, mas também a influência que igrejas evangélicas americanas têm sobre as suas homólogas brasileiras.
«Lute agora e faça parte da história», era o mote de uma caravana organizada pelo pastor Elias de Souza, com o propósito de levar bolsonaristas do Rio de Janeiro a Brasília, para participar nos protestos que culminaram no 8 de Janeiro. Não se tratou de um caso isolado. A maioria das lideranças nacionais evangélicas, como o pastor Silas Malafaia, já aceitaram que a Administração de Inácio Lula da Silva veio para ficar, mas o seu discurso continua a inspirar bolsonaristas, enquanto líderes locais direcionavam diretamente os fiéis para tomar de assalto Brasília. «Podemos dizer que o discurso religioso agiu como motivador ideológico dos atos violentos vistos em Brasília, porque mobiliza pautas morais, o conservadorismo da sociedade brasileira», admitiu Nilza Valéria, coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, citada pela Agência Pública.