Por norma, só nos lembramos deles quando nos sentamos num restaurante para comê-los. Outros gostam de escolhê-los e anseiam a sua frescura para grandes almoços ou jantares de família. São utilizados para famosas iguarias nacionais e quem vem de fora fica com o seu gosto na boca e, por norma, nunca faz ‘cara feia’.
Os bivalves são comummente considerados engenheiros dos ecossistemas, ou seja, apresentam a capacidade de alterar direta ou indiretamente a disponibilidade de recursos para outras espécies, modificando fisicamente o ambiente. «Isto quer dizer que possibilitam a criação, modificação e manutenção de habitats, proporcionando que mais espécies se estabeleçam em determinado local»,explica ao Nascer do SOL Rosa Freitas, especialista do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM). Além disso, são muito importantes em várias cadeias tróficas (por exemplo, muitas aves alimentam-se de bivalves, tal como os humanos); são ainda «bons indicadores de qualidade ambiental» e, por isso, «muito usados por exemplo na monitorização da quantidade de poluentes e nos estudos dos efeitos gerados».
Apresentam ainda uma «elevada importância económica» e até «cultural» (veja-se em Aveiro o caso dos ovos moles que têm forma de bivalves).
Mas, para além de tudo isso, os bivalves são o sustento de milhares de pessoas espalhadas pelo país, que se dedicam à atividade e que dependem desse sustento para alimentar as suas famílias. Famílias essas que, em particular na Ria Formosa (de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPAM), a produção de bivalves no Algarve representa cerca de 85-90% da produção de bivalves a nível nacional), começam a ficar com a «corda ao pescoço», devido à grande mortalidade dos animais no último ano. Homens que lutam para «não cair no esquecimento». Felizmente, ao contrário daquilo que se pensa, na Ria de Aveiro o cenário é diferente.
A mortalidade no Algarve
«Este ano foi extraordinariamente mau, com taxas de mortalidade a rondar os 90 % e mais… Normalmente, no estado em que estamos a explorar os viveiros, um homem apanhava 20, no máximo 25 quilos. Atualmente, não volta com mais de 3 quilos», lamentou Luís Santos, viveirista e membro da Cooperativa de Viveiristas da Ria Formosa, que lembrou ainda que a amêijoa boa costuma ser uma espécie massiva na zona, onde «cresce naturalmente». «Além de ser uma fonte de rendimento para milhares de pessoas, é também o pilar que sustenta praticamente todo o ecossistema da Ria. É uma espécie muito apetecível para todos os predadores, desde o peixe aos polvos, aos pássaros… Todos os animais gostam», explica. «A apanha da amêijoa boa mantém-se tradicional, com a faca de mariscar. Um processo que já vem do meu bisavô. Apesar de haver locais em que se trabalha com máquinas e tratores, aqui, seguimos a tradição», continuou.
Segundo Luís Santos, nos viveiros «anda-se ao sabor das marés». Literalmente. «Trabalhamos cerca de duas horas antes do baixa mar (quando a maré está mais baixa) até duas horas depois. Nessa altura estamos sempre no mar. Normalmente quando se pode faz-se duas marés por dia, quando não se pode faz-se apenas uma. Dentro desse intervalo de tempo ficamos no viveiro que tem sempre manutenção. As algas têm de ser retiradas, o cedimento nivelado, os barcos tratados», detalhou.
Nuno Russo, seu colega, trabalha na área desde os 13 anos. Na altura, tinha acabado o nono ano e o pai perguntou-lhe se queria continuar a estudar: «Respondi que não (hoje arrependo-me), mas acabei por vir parar aos viveiros. São muitos anos, é uma paixão muito grande», afirma o viveirista ao Nascer do SOL. Desde essa altura mudou muita coisa… «Lembro-me que quando trabalhava com o meu pai, as amêijoas morriam de velhice. Inclusive saiam fora da terra, criavam barba que as mantinha agarradas à superfície», contou. Hoje em dia, isso não acontece. «Nós jogamos sementes e se não apanhar num espaço de um ano, ela morre», lamentou.
Segundo Nuno Russo, por norma, se jogassem o equivalente a cinco quilos de sementes, apanhavam 250 quilos ou 300 de amêijoas. «Atualmente, jogamos o mesmo e já é uma grande sorte se apanharmos 70 quilos», revela o viveirista algarvio. Por isso, a única coisa que faz o negócio continuar é «o valor a que a amêijoa está». «Menos apanha, mais sobe o valor! Se não fosse assim, sou-lhe sincero, neste momento nem valia a pena uma pessoa estar a investir. Aliás, eu nem sei se compensa continuar a investir. Acabamos de investir a semente, duas vezes este ano e duas vezes morre-me uma semente. Estamos a falar de valores bem altos!», alertou. «É muito amor, muito tempo investido, para na altura de colher frutos, não haver. É frustrante», frisou.
IPMA em ação
Paula Chainho, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) – Rede de Investigação Aquática –, diz que as espécies mais capturadas em Portugal são a amêijoa e o berbigão. Contudo, o lingueirão, a ostra e o mexilhão «também registam um volume de descargas importante». Grande parte dos quantitativos capturados na costa portuguesa é exportada, maioritariamente para Espanha.
Na sequência da preocupação manifestada pela Cooperativa de viveiristas da Ria Formosa relativa à ocorrência frequente de «mortalidade excessiva» de amêijoa, tanto na Ria Formosa como da Ria de Alvor, e o recente aumento da mortalidade da ostra, o IPMA preparou um parecer que inclui «propostas de ação» que suportem «o aconselhamento científico sobre potenciais medidas de gestão, em colaboração com stakeholders (partes interessadas)».
«No âmbito da Portaria n.º 116/2016 que aprova o Regulamento do Regime de Apoio à Promoção da Saúde e do Bem-estar Animal do Programa Operacional (PO) Mar2020, para Portugal Continental, são efetuadas vistorias pelos técnicos do IPMA a estabelecimentos aquícolas, sempre que os produtores apresentem alertas de mortalidade de bivalves», explica o documento do instituto enviado ao Nascer do SOL. Nestas vistorias, os técnicos do IPMA procedem à avaliação da mortalidade de bivalves e, sempre que a taxa de mortalidade seja superior a 20%, «atribuem a designação de ‘excecional mortalidade em massa’». Nesta última situação – continua a Proposta IPMA de Programa de investigação para monitorização da mortalidade de bivalves na Ria Formosa elaborada por Domitília Matias, Sandra Joaquim, Narcisa Bandarra e Ivone Figueiredo –, os produtores podem solicitar «uma compensação financeira pela suspensão temporária da atividade ao abrigo do estipulado no nº2 do artigo 4 da Portaria nº 116/2016».
Desde 2017, o IPMA tem efetuado vistorias técnicas tendo-se verificado um aumento considerável do número de pedidos nos anos mais recentes. Até à presente data de 2022 já foram solicitados 200 pedidos. No período de 2018 a 2022, a percentagem média de mortalidade registada nos estabelecimentos aquícolas variou entre 53% e 65%. Neste período, a «excecional mortalidade em massa» foi registada de uma forma generalizada em todas as zonas de produção de bivalves da Ria Formosa e também da Ria de Alvor.
O que faz morrer os bivalves?
Para os viveiristas, questionar por que razão, de há uns anos para cá, tem existido esta mortalidade tão grande, «é uma boa pergunta»: «Em anos anteriores a mortalidade, normalmente, era sempre associada aos esgotos, à falta de oxigénio, falta de alimento, outras vezes devido a certas patologias», afirma ao Nascer do SOL José Florêncio, presidente da Cooperativa de Viveiristas da Ria Formosa, acrescentando que esta mortalidade era esporádica e não «massiva». «Este ano foi diferente… Foi massiva! Desde Vila Real até Aveiro morreu tudo! Tanto ostras como amêijoas. Antigamente a semente da amêijoa sobrevivia a isso. Hoje em dia não! Neste momento, a maior parte da semente morreu!», exaltou.
Segundo Nuno Russo, «há uma coisa em particular que pode ser a responsável por este fenómeno»: a alga Caulerpa, que apareceu há sensivelmente três anos e desde aí tem minado todo o fundo da Ria. «Fomos notando ao longo do tempo que nada por baixo da alga sobrevive. O próprio cedimento putrifica, fica completamente podre. Ao ponto de se colocarmos lá o nosso pé, ficarmos enterrados até ao joelho… Não se adapta ao búzio, o lingueirão é para esquecer, o choco… Os peixes não desovam… É uma alga invasora», afirma o viveirista.
Luís Santos concorda, mas acrescenta: «Encontro justificação em qualquer patologia, nalgumas descargas pontuais de esgotos não tratados e no aquecimento da água…Quando a água aquece retém menos oxigénio».
De acordo com Paula Chainho, da MARE, as causas de mortalidade dos bivalves podem ser várias, «sendo necessário investigar especificamente as causas de mortalidade de cada evento específico no respetivo local»: «Elevadas mortalidades são frequentemente causadas por doenças que afetam os bivalves, mas podem ocorrer devido à alteração das condições ambientais, como a ocorrência de eventos de poluição», contou. Os bivalves dos sistemas estuarinos e lagoas costeiras, continuou, são particularmente sensíveis à ocorrência de cheias e secas, uma vez que as águas salobras «são o habitat mais favorável ao crescimento e reprodução das mesmas». Por isso, quando ocorrem secas ou períodos de ondas de calor, estas espécies podem ficar «fragilizadas» e registar elevadas mortalidades «devido às elevadas temperaturas». Por sua vez, revela ainda a especialista, quando ocorrem cheias, estas espécies podem ser «dizimadas» pelo facto de não conseguirem tolerar água doce durante períodos mais prolongados. «Essa pode ser uma das formas pelas quais estas espécies podem vir a ser muito afetadas pelas alterações climáticas, uma vez que se espera um aumento da frequência de ocorrência de eventos extremos, como cheias e secas», frisou.
Além disso, acrescenta Rosa Freitas, com o aumento da temperatura grande parte dos organismos, como os peixes, tendem a aumentar o seu metabolismo que se traduz por exemplo em consumo de oxigénio, «originando falta de O2 na coluna de água para todas as espécies que aí habitam». Se pensarmos que aliado aos eventos climáticos extremos ainda temos a possibilidade de uma maior quantidade de poluentes chegarem aos ambientes aquáticos então temos o «cocktail perfeito»: «Aumento da temperatura aumenta o metabolismo em muitas espécies o que faz com que tenham necessidade de se alimentar mais. Se o alimento estiver contaminado maior será a acumulação de substâncias por parte destes organismos», esclarece a especialista.
As algas tóxicas e as infeções
Os impactos serão muito idênticos para algas (micro e macroalgas), conhecidas pela «capacidade de acumulação de poluentes». A ocorrência de algas tóxicas também pode ser acentuada pelas alterações climáticas, no entanto, para Paula Chainho, «os efeitos negativos destes blooms de algas tóxicas não têm um efeito negativo muito significativo sobre os bivalves, sendo a consequência mais imediata o facto de não poderem ser consumidos pelas populações humanas».
Segundo a também professora Rosa Freitas, muitos dos países costeiros têm sido afetados precisamente pela ‘proliferação’ de algas tóxicas. Algumas destas algas sintetizam toxinas que são prejudiciais à vida marinha e podem ser muito tóxicas para os seres humanos: «Por exemplo, quando acumuladas em certos organismos tais como bivalves, podem provocar, após a sua ingestão, doenças e morte em seres humanos». Globalmente, como em Portugal, «tem ocorrido um aumento da ocorrência destas algas, com perdas económicas associadas». Por isso, explica a especialista do CESAM, a monitorização de toxinas marinhas em moluscos bivalves é necessária face à imprevisibilidade da ocorrência destes blooms. Embora estas toxinas tenham sido detetadas ao longo de toda costa Portuguesa, a região noroeste, Ria de Aveiro e Algarve são das mais problemáticas com ocorrência frequente de contaminação. «Naturalmente que bivalves com toxinas irão ter necessidade de desenvolver estratégias de defesa com gasto, por exemplo, de energias de reserva que não assim alocadas para outros processos como crescimento ou reprodução», acrescentou.
Relativamente às infeções (vírus, parasitas), no caso de parasitas, existe o Perkinsus olseni que causa efeitos deletérios em várias espécies de bivalves. «Este parasita pode provocar graves efeitos na fisiologia do hospedeiro, levando a um desequilíbrio energético, atraso na maturação das gónadas (órgãos onde os organismos multicelulares produzem as células sexuais) e impactos na reprodução que podem levar à mortalidade massiva ou infecção por outros agentes patogénicos devido à redução da capacidade de defesa imunológica», apontou Rosa Freitas. A mortalidade em massa na espécie de amêijoa Ruditapes decussatus associada à infecção por P. olseni foi relatada em vários países, incluindo em Portugal há uns anos na Ria Formosa.
Dragagem e invasores
Para Nuno Russo, a Ria Formosa tem «um problema muito grave»: a Barra do Lavais em baixa-mar deve ter à volta de 15 a 20 centímetros de água. «Os barcos não conseguem passar ali, barcos grandes é para esquecer… Quanto menos passagem de água, menos oxigenação tem a água, menos corrente, menos alimento trás. A dragagem que foi feita em vez de ser feita de dentro para fora, começou a ser feita lá fora. Não fizeram nada e o que nos sentimos foi nada. Para mim foi super mal feito», denunciou.
Para os viveiristas, as enchentes de turistas no verão também afetam a qualidade da água. «Antigamente o Algarve não recebia tanta gente. Agora vem tudo para cá no Verão. São centenas de iates em frente a culatra. Toda a gente urina, limpam os barcos, tomam banho, os barcos ficam na areia, são pintados», diz Nuno Russo. «Acredito que há também uma maior utilização da Ria para desportos náuticos. Isso afeta!», acrescentou Luís Santos, lembrando que isto faz com que «haja uma sobrecarga no ecossistema».
«Tudo isto, aliado à introdução de uma espécie não nativa OMG, que é a ostra triploide que está a competir pelo alimento – fito plâncton –, dá nisto», lamentou ainda o viveirista do Algarve. Mas para José Florêncio este está mesmo a tornar-se um problema sério: «Hoje em dia há uma grande quantidade de ostras… Nós nem sabemos se a Ria atingiu o seu ponto máximo de bivalves desta espécie. Como as ostras filtram muito mais do que as amêijoas, é provável que também tenha existido a falta de alimento», refletiu. «A situação da ostra também vai ter de ser resolvida, porque é uma espécie muito mais eficaz do que a amêijoa. É manipulada e com um crescimento exponencial. A nível económico é muito apetecível, mas tem de se regular isto. Não é por isto que tem de acabar a amêijoa boa», sublinhou ainda Luís Santos.
«As espécies invasoras acabam por competir com as nativas. Normalmente as espécies invasoras apresentam características que lhes dão vantagem face às nativas. Por exemplo, aqui na Ria de Aveiro a espécie de ameijoa Ruditapes decussatus foi substituída pela Ruditapes philippinarum (invasora) que tinha um valor comercial muito inferior e que muitos estudos mostram que é mais tolerante quer a poluentes quer a alterações climáticas», exemplificou a especialista da CESAM.
A viagem prossegue até à Parede, na linha de Cascais, ao famoso Restaurante Marisqueira Eduardo das Conquilhas, uma casa com história, há mais de 50 anos a servir «o melhor marisco na zona de Cascais». Aqui, os petiscos do mar vão desde as conquilhas do Algarve, às amêijoas, sapateiras, gambas, perceves, burries, canilhas, etc. Felizmente, a mortalidade dos bivalves não tem afetado a casa. Porém, na qualidade do produto, já não se pode dizer a mesma coisa. Luís Regalão culpa a apanha de «arrasto». «Desde Abril para cá houve uma grande decadência dos bivalves.
Isto parece-me tudo um bocado jogo de cintura. A conquilha, por exemplo, é um ser vivo. Tem a sua vida, a sua forma de estar. Quando se força a apanha – atividade a que chamamos apanha de arrasto –, a conquilha vem com muita areia. Depois no frio é muito limitada. A boa conquilha é a do pé. Limitada em função do mar», explicou o funcionário e também mergulhador. Felizmente, conta, como o restaurante é um comprador de algum consumo, «com muita rotatividade», quando este vê que a conquilha não é a que mais gosta, «que está mais fraca», não vende muita.
«Quando não me é favorável à venda, não vendo. Mando fora e fica em crédito para quando ela realmente for boa. Isso funciona connosco, com outros não sei», admitiu.
Por isso, mais do que em escassez, na conquilha «falamos da qualidade». «Isto depende tudo das águas, do estado do mar. Sentimos a nível de amêijoa que anda um bocado mais fraca, da conquilha há um grande défice em termos de apanha, ostras não tanto, lingueirão não tanto, berbigão às vezes não se encontra muito», detalhou. Claro que, segundo Luís Regalão, isto faz com que o preço aumente: «Mas sabe que estarmos, também nós, a aumentar os valores faz-nos mexer no cliente habitual. Nós não o queremos perder, por isso tentamos não mexer nos preços», revela.
Mas, apesar da mortalidade não estar a afetar gravemente toda a gente, Nuno Russo não deixa de lembrar que são centenas de famílias que vivem da atividade. Só em licenças de viveiros calcula-se que haja mais de mil na sua zona. Em cada viveiro chegam a trabalhar cinco pessoas, mais aquelas que andam na apanha da semente. «Isto é uma cadeia. Deve haver mais de três mil pessoas dependentes da atividade», lamenta. Ao que Luís Santos acrescenta que o rendimento «acabou». «Na situação dos viveiristas felizmente há um apoio do MAR2020, para fazer face às quebras. Mas há quebras de rendimento superiores a 80 %. Não chega. Isto não é brincadeira», frisa o viveirista.
Ria de Aveiro intacta
Ao contrário do que José Florêncio julgava, em Aveiro a situação não é tão «negra». Aliás, os últimos anos têm sido «excepcionais» para os bivalves.
«Mortalidade aqui? Não… O problema não está por aí. Continuamos a ter muitos bivalves, o problema são as toxinas que têm. Na Ria de Aveiro tem sido assim», afirma ao Nascer do SOL Ricardo Rodrigues, fornecedor de bivalves em Aveiro. Que garante que nestes últimos dois meses há menos bivalves porque as condições climatéricas não existem para a apanha. «Mas é natural», garante, confidenciando que no verão houve uma enorme quantidade, mas não se podiam consumir, devido às toxinas. «Trabalho com a amêijoa branca do mar e não tem havido problema. Dentro da Ria tem havido menos, mas as festas também fizeram chegar muita procura», acredita.
Da mesma forma, Pedro Pereira, viveirista da Ria de Aveiro, mostra-se surpreso quando interrogado sobre as taxas de mortalidade no Norte. «Mortalidade? Quem é que lhe disse que existe muita mortalidade de bivalves na Ria de Aveiro? Isso não é verdade. Lá em baixo realmente há uma mortalidade imensa, mas aqui não», exalta, frisando que além de terem tido muita água na Ria, têm tido as quantidades normais de bivalves. «Não quer dizer que daqui a uns tempos as coisas não aconteçam. Mortalidade podemos ter 2% na ostra, mas mesmo assim é normal para a altura do ano. Nada de anormal. Temos pena dos nossos colegas. Aqui ninguém está preocupado», afirma.
Apesar de, segundo Ricardo Rodrigues e Pedro Pereira, a mortalidade não tenha atingido o Norte do país, para a especialista do CESAM saímos todos a perder: «Desde os mariscadores que vivem da apanha de bivalves até ao consumidor final que ou não tem para comer ou o preço é muito elevado; segurança alimentar também está cada vez mais colocada em risco pois os fatores que falamos anteriormente vão naturalmente afetar a qualidade do produto que comemos», denunciou. Como proteger? Consciencialização de todos. Rosa Freitas acredita que falta muita sensibilização da população em geral sobre os riscos que, por exemplo, o aumento da temperatura, uma chuvada forte, a eutrofização ou até mesmo a descida do pH da água poderão ter em ecossistemas tão produtivos como a Ria de Aveiro. «Os serviços que este ecossistema presta e poderá deixar de vir a prestar são vários, nomeadamente a diminuição da quantidade de bivalves, erosão das próprias margens da Ria, a diminuição da capacidade de retenção de CO2 com a diminuição das pradarias marinhas, a perda de habitat que serve de nursey para outras espécies, e naturalmente os aspectos culturais ligados ao turismo», explica ainda. Ao que o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) acrescenta que os stocks de bivalves são recursos renováveis «desde que seja assegurada a sua capacidade de autorrenovação». «Isto requer uma gestão de recursos eficiente; ou seja, por exemplo, um controlo do limite da quantidade de recurso que é apanhada em qualquer estádio do seu ciclo de vida, que deve corresponder a um valor que permita a sua sustentabilidade a longo prazo», afirmou ao Nascer do SOL.