Querida avó,
Vou aproveitar os saldos para comprar umas botas.
Como este ano choveu mais do que tem chovido em invernos anteriores, preciso de renovar o stock.
Estou a ver umas (curtas com elásticos laterais que facilitam o calçar e descalçar) que me fazem lembrar as que usavam os meus avós.
Por falar nos meus avós (de sangue), que eram bastante dados ao progresso, recordo-me que usavam a expressão “bota-de-elástico” sempre que se referiam a alguém conservador e resistente a mudanças.
Os mais novos devem usar algum estrangeirismo quando se referem a alguém desatualizado e ultrapassado.
Os meus avós diziam “O Botas” sempre que se referiam ao Salazar, que usava, com frequência, este tipo de calçado e por isso ganhou esta alcunha.
Na minha adolescência havia outra bota muito famosa que te deves certamente recordar: A Bota Botilde. Quem não andou com a Bota Botilde no tornozelo? Dei tanto uso à minha que ficou toda gasta de rodopiar na calçada horas a fio. Também tive um porta-chaves com a bendita bota.
Era a mascote do concurso “Um, dois, Três” que deu na RTP há praticamente 40 anos, imagina. Foi um dos programas mais bem-sucedidos de sempre da televisão portuguesa. O concurso foi apresentado por vários apresentadores, sendo Carlos Cruz aquele que as pessoas mais recordam.
Era gravado na presença de imenso público. Chegou a haver emissões especiais e tudo. Uma delas teve lugar no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, perante cerca de cinco mil crianças (infelizmente não fui uma delas).
Quem diria que, passados tantos anos, as botas-de-elástico voltavam a estar na moda. E faz todo o sentido pois são cómodas e práticas. Evitam a trabalheira dos atacadores (a pessoa já não vai para nova), e ao serem mais fechadas protegem melhor da água.
Na indecisão se compro em preto ou castanho vou levar nas duas cores.
“Mais vale prevenir do que remediar!”
Bjs
Querido neto,
Realmente… lembras-te de cada uma.
Efetivamente, já só os da tua (e da minha) idade é que se lembram da famosa ”Bota Botilde”.
Que saudades de programas como o “Um, Dois, Três”… se fechar os olhos ainda oiço o Carlos Cruz a dizer “Um, dois, Três … Diga lá oura vez”.
Os teus avós ensinaram-te muitas coisas! Mas, porventura, alguma vez te levaram ao Cabo da Roca?
Todos deviam ir. Dão-vos um diploma, a comprovar que estiveram no cabo mais ocidental da Europa, e tiram-vos uma fotografia onde isso está assinalado. Por acaso ainda lá não levei os meus netos, mas tenho de os levar. Uma coisa de que nenhum país onde eles estudam se pode gabar…
Sei que foste, recentemente, visitar o Palácio da Cidadela de Cascais e que gostaste muito.
Pena não teres encontrado por lá o Presidente Marcelo.
Certamente que na visita guiada que fizeste ao Palácio ficaste a saber que quem o mandou construir, para ser uma casa de férias, em Cascais, foi o rei D. Luís. Tinha o Cabo da Roca mesmo em frente.
D. Luís era um rei muito culto, falava várias línguas, traduziu Shakespeare, adorava pintura.
Mas não se pode saber tudo, não é? O Rei D. Luís – o “Sr Tavares”, quando ia às meninas… – tinha a mania que tocava muito bem violino – mas era uma desgraça completa.
E todas as semanas organizava um quarteto, com alguns dos seus ministros, que tocavam tão bem como ele. Uma alegria.
Uma tarde, já tinha acabado o concerto, lembrou-se de perguntar ao seu Primeiro-ministro:
—Que acha deste quarteto? O Primeiro-ministro meteu os pés pelas mãos, gaguejou, mas de repente, teve uma ideia de génio:
—Majestade, este é o quarteto mais ocidental da Europa!
Agora calça as botas que compraste e vai visitar o Cabo da Roca.
Tu que estás sempre tão bem informado sobre a atualidade tens, certamente, visto as notícias.
As imagens que nos têm chegado de Brasília são bastante desoladoras.
Fica bem
Bjs