Por Francisca De Magalhães Barros, Pintora
Uma juíza de instrução do Tribunal da Amadora decidiu, na sequência de iniciativa do Ministério Público, suspender provisoriamente um processo por crime de violência doméstica, em que há suspeitas de ofensas à integridade física de uma mulher. O mais espantoso é que tenha sido imposto ao agressor, para o processo ser suspenso, um «passeio lúdico» com a vítima e «levá-la a jantar fora, a concertos, espetáculos e teatro».
Enquanto pedimos a consciência coletiva das pessoas para ajudarem as sobreviventes de violência doméstica a sair deste pesadelo, temos autoridades judiciárias que consideram boa solução promover «passeios lúdicos, concertos, espetáculos e teatros» após uma mulher ter sido, segundo os indícios constantes do processo, agredida com chapadas e pontapés e, como se isso não bastasse, um apertão no pescoço, que lhe terão causado «vários hematomas».
Eu não consigo imaginar o nível de trauma a que esta vítima está sujeita e o seu estado de espírito com este desfecho do processo, apesar de ele requerer, formalmente, a sua concordância. Pior do que isto, para além da total falta de noção do que é a violência doméstica e dos seus efeitos nefastos para as sobreviventes, é o perigo direto que resulta desta medida que é deveria ser efetivamente dissuasões. Entretanto, importa recordar que já tivemos sentenças em penas suspensas, após as quais os condenados puderam de forma flagrante a vida das vitimas em risco. Não podemos encarar a violência doméstica como se fosse um arrufo de namorados, quando sabemos que pode resultar na morte da vítima. Assim, quando não passou ainda um mês das trágicas 32 vidas perdidas em contexto de violência doméstica, só me resta perguntar como se permite que estas situações se perpetuem.
Tendo de decidir entre a vida e a morte, entre a punição e a complacência, entre o terror e o alívio de algo que não depende das vítimas, a resposta parece-me óbvia.
Quem é ou são os responsáveis por punir esta decisão? Por tudo isto, parece-me que a lei tem de impedir a suspensão provisória do processo em casos de violência doméstica.
A vida das vítimas não pode ser posta em perigo por mentalidades que não estejam preparadas para lidar com este tipo de casos ou revelem até uma propensão machista. Não podemos pactuar com a violência contra as mulheres agredidas, violadas ou assediadas.
Numa altura em que estamos cada vez conscientes dos nossos direitos, iremos continuar todos os dias a lutar, a clamar e a reclamar pelos direitos de todas as mulheres que de forma flagrante se vêm condenadas ao silêncio. E permitimo-nos perguntar: conseguirão os magistrados meter-se no papel das ofendidas e ir com os agressores ao teatro?