Transpolítica

O que se passou no Teatro S. Luiz, com a substituição de um ator na peça Tudo Sobre a Minha Mãe, por não ser transexual, não foi apenas absurdo e ridículo; foi igualmente um exercício censório e profundamente opressivo, imposto por agendas do momento, transformadas em ditaduras de minorias, que à boleia do politicamente correto,…

No filme Transamérica, Felicity Huffman encarnou a transexual  Bree, numa atuação que lhe valeu, entre outras distinções, o Globo de Ouro para melhor atriz e a nomeação para o prémio equivalente da Academia de Cinema. Imagine-se agora que em 2005, um transexual irrompia em cena em protesto e Duncan Tucker optava pelo disparate da troca da protagonista, para dar corpo a uma agenda da moda.  Seguramente que  o mundo teria perdido uma representação magistral e a película ficaria guardada nas gavetas do anonimato.

Por alguma razão, de Espanha ao Brasil, a dramaturgia inspirou-se em Fernando Pessoa, através da parafrase do poema Autopsicografia, para adaptar que ‘o ator é um fingidor’: «Finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente».

Em Victor, Victória, Julie Andrews fez de homem e de mulher,  num papel que justificou a nomeação para o prémio de Melhor Atriz atribuído pela Academia de Cinema. Cate Blanchet venceu o Globo de Ouro, sendo Bob Dylan em I´m Not There. Sean Penn conquistou o Óscar no papel do homossexual Milk, galardão igualmente entregue a Tom Hanks, pela representação de Andrew Beckett, advogado homossexual e doente com Sida, em Filadélfia.

Qualquer alma provida de lucidez, sabe que representar, significa fazer de conta. É essa a essência do teatro e do cinema. Os atores e as atrizes transformam-se,  para parecerem aquilo que não são. E o seu talento é tanto mais reconhecido, quanto melhor nos consigam iludir, impressionar, espantar e despertar sentimentos. A este propósito, os  exemplos poderiam repetir-se, para fazerem valer a mesma evidência: no dia em que se tiver de ser transexual para desempenhar o papel de um transsexual, quando se tiver de ser homem ou mulher, para se ser homem ou mulher em palco, ou quando viver-se uma experiência traumática ou discriminatória for condição para se representar, como ator ou como atriz,  essa realidade, o teatro e o cinema morreram definitivamente.

O que se passou no Teatro S. Luiz, com a substituição de um ator na peça Tudo Sobre a Minha Mãe, por não ser transexual, não foi apenas absurdo e ridículo; foi igualmente um exercício censório e profundamente opressivo, imposto por agendas do momento, transformadas em ditaduras de minorias, que à boleia do politicamente correto, se procuram impor à perceção geral das maiorias.

Infelizmente, nem mesmo algum poder político é imune ao fenómeno.  Noutro âmbito, em setembro de 2022, no âmbito das comemorações do bicentenário da independência do Brasil, o governo achou adequado abrir a residência oficial do primeiro-ministro, para celebrar a efeméride com um concerto do travesti Puta da Silva, a cantar ‘sexo travesti é gostoso’. Com todo o respeito pela criatividade alheia, avaliado o nome e as letras, ficou também assim bem nítida a dignidade, a solenidade e o simbolismo com que em Portugal alguns socialistas encaram as grandes  momentos da história.