Para quem jogou Last of Us, adaptação que chegou no passado dia 15 de janeiro, em formato de série televisiva, à plataforma da HBO Max, não têm sido semanas fáceis.
Não, não estamos a colocar em causa a qualidade da série, estamos apenas ainda a processar o facto de termos de recordar e reviver os momentos mais traumáticos deste videojogo uma vez mais.
Neste universo somos transportados para um futuro pós-apocalíptico onde o planeta sucumbiu a uma pandemia que transforma os seres humanos em zombies canibais e acompanhamos Joel e Ellie (interpretados, respetivamente, por Pedro Pascal e Bella Ramsey), enquanto eles tentam atravessar estes Estados Unidos desolados na tentativa de alcançar uma equipa de cientistas que estão a desenvolver uma cura.
Para quem jogou o videojogo, uma das principais características que se destaca é a lealdade com que a equipa de produção (que conta com o criador de Last of Us, Neil Druckmann) trata o material de origem, com algumas cenas dos episódios a parecerem ter sido copiadas frame a frame do jogo para a Playstation.
Uma das cenas mais impressionantes, quando Joel e a sua família estão a tentar fugir da cidade, depois de perceberem que algo de calamitoso está prestes a acontecer, é diretamente inspirado na ação do jogo e adota, à semelhança desta tecnologia, uma perspetiva na primeira pessoa que deixa o espetador mais imersivo no caos que está a despoletar.
Depois de diversas tentativas recentes para adaptar filmes ou séries baseadas em videojogos famosos, como Uncharted (2022), Sonic – O Filme (2020) ou Pokémon: Detetive Pikachu (2019), que foram recebidos com críticas maioritariamente negativas, por parte de audiências e membros da imprensa, Last of Us parece posicionar-se como a mais aclamada adaptação deste estilo.
“É certo que muitas adaptações anteriores de videojogos não foram tão bem-adaptadas para a televisão e foram vítimas de autossabotagem”, escreve Ben Lindbergh, editor sénior do The Ringer. “Mas a última e maior tentativa de traduzir com sucesso um jogo para outro formato evitou todas as armadilhas, assim como Joel e Ellie esgueirando-se silenciosamente por uma das monstruosidades fúngicas do jogo (e do programa)”.
Lindbergh acredita que, apesar do contexto específico de Last of Us, com o seu conteúdo de origem a ser galardoado pela imprensa de videojogos, esta série pode abrir um precedente para outros projetos e adaptações com ambições semelhantes.
“A aclamação crítica – e em breve, quase certamente, popular – gerada por The Last of Us da HBO deve estabelecer, sem sombra de dúvida, que uma adaptação live-action de um videojogo pode ser uma fórmula vencedora de prémios e um grande sucesso, anunciando a uma indústria (que já está a investir imenso na propriedade intelectual de videojogos) que a chamada ‘maldição’ dos filmes e séries de televisão baseados neste tipo de produtos foi ‘levantada’”, anuncia.
Apesar de revelar uma memória curta afirmar que esta série é a única adaptação de qualidade de um jogo, de recordar exemplos como Cyberpunk 2099: Edgerunners ou Castlevania, esta tem sido, sem dúvida, a que tem recebido mais elogios por parte da crítica.
“Praticamente todos os momentos que me partiram o coração, aterrorizaram ou inspiraram do jogo também acontecem aqui, mas também me deu muita coisa que ainda não tinha visto”, confessa Rebecca Nicholson do Guardian. “A série não pode recriar a experiência interativa e devastadora do jogo; em vez disso, explora o que pode acrescentar”.
Poderemos enfrentar uma pandemia destas na vida real? Ao contrário do jogo, onde a doença que transforma as pessoas em zombies é espalhada através de esporos, na série de televisão o que provoca esta transformação é um fungo, o Cordyceps, que existe na vida real.
Este é reconhecido por infetar insetos e transformá-los em autênticos “mortos vivos”, assumindo o controlo do sistema nervoso e a capacidade para controlar os seus movimentos, até depois destes estarem mortos.
“O grupo de fungos que causou isso, cordyceps, pode-se espalhar em plantas e grãos”, explicou o professor David Hughes, biologista que trabalhou diretamente com os criadores de Last of Us, à Esquire. “Quando os humanos comem centeio infetado, eles têm episódios psicóticos”, recordando o caso dos julgamentos das bruxas de Salem ou um episódio em França, no ano de 1951, quando alguém vendeu pão infetado e uma cidade inteira ficou histérica, com uma menina de 14 anos a tentar matar a mãe com uma faca.
O cientista afirmou que é normal as pessoas ingerirem mil milhões de esporos enquanto estão a respirar e que isso não tem problema, o nosso sistema imunológico trata de eliminar esta ameaça. No entanto, é possível que um fungo letal cresça no nosso corpo e se revele fatal, acrescentando que fungos matam mais pessoas que a malária.
Em relação ao que as pessoas podem fazer para prevenir esta nova pandemia, Hughes partilhou uma máxima muito prática e direta: “Todos os filmes de desastres começam porque alguém ignorou um cientista”.
“Devemos ouvir os especialistas técnicos. Podemos impedir estes acontecimentos, mas escolhemos quebrar as regras. Esse é o problema das sociedades humanas, agimos de forma egoísta, e não coletivamente”, acusou, oferecendo o exemplo de como as formigas agem quando estão infetadas com este fungo.
“As formigas são boas a controlar o cordyceps porque elas têm um sistema imunológico coletivo dentro da colónia, elas podem até isolar os seus irmãos coletivos que estão infetados, e estes estão completamente bem com essa decisão porque os seus genes existem naqueles que vão sobreviver e está feliz por ser isolado. Mas as pessoas não estão felizes em serem isoladas”, conclui.