Tanques ocidentais estão a caminho da Ucrânia, mas tudo indica que chegarão tarde demais para a contraofensiva com que os ucranianos sonhavam. A indecisão no seio da NATO deu tempo aos russos para reagrupar após sucessivas derrotas no sudeste de Kharkiv ou em Kherson. Agora o receio é que os tanques ocidentais, mais que para penetrar as linhas russas, sirvam para diminuir a desvantagem da Ucrânia. E evitar que seja devastada pela maré humana preparada pelo Kremlin, com o culminar da mobilização militar parcial.
Os tanques ocidentais não só chegam após semanas de debate, com Alemanha e EUA a serem puxados pelos seus aliados britânicos e polacos, como ainda são menos do que o pretendido. O Governo de Kiev queria uns trezentos tanques, a estimativa é que vá receber uns 150. E se o objetivo era ter tanques superiores aos T-72 – um velho modelo soviético, amplamente usado tanto pelos russos como pelos ucranianos – ou T-90, nem todo o armamento enviado pela NATO estará em condições ótimas. Os nossos vizinhos espanhóis deverão enviar Leopard 2 que estão em armazém há mais de dez anos. Já Portugal ofereceu quatro destes tanques, mas só tem dois operacionais, segundo avançou a CNN Portugal.
O grito de “libertem os leopardos” – uma referência a este modelo de tanques alemão, considerado dos mais eficazes, tendo a vantagem de ter amplo stock em países europeus – tornou-se uma palavra de ordem entre manifestantes ucranianos que pedem ajuda à NATO. Mas as tropas de Kiev ainda terão um longo período de adaptação até os conseguirem usar, avisam analistas. Depois de se habituar a tanques soviéticos, fazer a transição para um tanque moderno ocidental “é como teres um carro dos anos 1950 e depois te sentares num Porsche”, exemplificou um dos militares envolvidos no treino de forças ucranianas, ao Financial Times.
Ainda assim, as Forças Armadas ucranianas possuem sólidos recursos humanos, contando com algumas das mais experimentadas tripulações de tanques do planeta, que sobreviveram a quase um ano de guerra, deslocando-se rapidamente para evitar o poder de fogo muito superior dos russos, quase ao estilo de guerrilha. “Os soldados ucranianos são conhecidos por aprenderem rápido”, frisou o co-diretor do Centro Razumkov ao jornal britânico. E imagine-se o que farão com os Leopard, com os M1 Abrams americanos ou os Challenger 2 britânicos, que possuem maior alcance e precisão do que a vasta maioria dos tanques russos. Além dos tanques americanos e britânicos possuírem uma blindagem de ultima geração, ou Chobham, feita de uma cerâmica que dissipa o impacto de projéteis.
Contudo, isso pode não bastar, dado treinar uma tripulação de tanques deverá demorar pelo menos cinco a seis semanas, segundo o International Institute for Strategic Studies. E a época de combate na Ucrânia está prestes a cessar, com a chegada da rasputitsa, a época da lama, algures em março ou abril.
Nessa altura, o gelo começa a derreter, transformando as estradas da Ucrânia em autênticos rios de lama. Vimos os impacto disso quando o Kremlin teve a temeridade de lançar uma invasão a 24 de fevereiro, a escassas semanas desta época, esperando tomar o país rapidamente e em vez disso viu boa parte das suas forças mecanizadas atoladas. Contudo, agora poderá ser nessa mesma época que começam a chegar os tanques ocidentais à linha da frente.
Atacar as lacunas russas As forças blindadas ansiadas por Kiev poderiam ser ainda mais decisivas se chegassem a tempo de uma tão desejada contraofensiva de inverno. Desde há meses que o Governo ucraniano fala disso, com analistas a especular quanto poderia ser o seu potencial ofensivo. O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla inglesa) tem apontando como potenciais pontos fracos russos a linha da frente entre Svatove e Kreminna – onde as forças ucranianas conseguiram fazer alguns avanços no final do ano, ameaçando as rotas de abastecimentos dos russos em Lugansk e Donetsk – ou até Zaporínjia.
Aqui, caso avançassem rumo a Melitopol ou Mariupol, partiriam ao meio a ligação terrestre entre a Rússia e a Crimeia, tendo já danificado a ponte de Kerch, a única outra rota terrestre que sobrava para a Crimeia. E tanto em Lugansk como em Zaporínjia o terreno é sobretudo plano, menos urbanizado que em Donetsk e ideal para o punho mecanizado que o Ocidente agora ofereceu à Ucrânia. Mas não durante a rasputitsa.
“A inevitável demora entre a promessa de enviar tais sistemas e a capacidade dos ucranianos para os usar significa que os líderes ocidentais devem comprometer-se em enviá-los quando os indicadores iniciais de que vão ser precisos aparecem, não quando a situação parece dramática”, queixou-se o ISW. Aliás, cada vez mais começa a parecer ser esse o caso, dado se estimar que até agora Moscovo só usou cerca de metade dos seus novos 300 mil recrutas para tapar buracos na linha da frente, treinando o resto para os usar mais eficientemente.
No entanto, mais uma vez se assiste a discussões no seio da NATO muito semelhantes às que antecederam o envio de tanques mais avançados. O Governo de Kiev além de tanques também pediu caças, consciente que forças blindadas sem apoio aéreo servem de pouco – aliás, para conseguir avançar no sudeste de Kharkiv, no verão, os ucranianos tiveram até de recorrer e aglomerar defesas aéreas, para colmatar essa falha. A Polónia já veio lembrar que está disponível para enviar caças F-16, mas para isso precisa de autorização dos americanos. E Washington respondeu garantindo que vai pensar “muito cuidadosamente” no assunto, nas palavras do seu vice-conselheiro de Segurança Nacional, Jon Finer, citado pelo Guardian.