por Luís Ferreira Lopes
Ex-Assessor para Empresas e Inovação do Presidente da República e Ex-Editor de Economia da SIC/SIC Notícias
A economia portuguesa cresceu 6,7%, em 2022, acima do crescimento de 5,5%% de 2021 e após a contração histórica de 8,3% em 2020 devido à pandemia covid-19. Este é o valor mais elevado dos últimos 35 anos. Ou seja, desde 1987 que o PIB português não crescia a um ritmo tão elevado, de acordo com a estimativa rápida do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), revelada no dia 31 de janeiro. Este valor ficou uma décima abaixo da previsão do governo (o ministro das Finanças calculava 6,8%, em final de dezembro), mas ultrapassou a previsão de 6,5% do Orçamento do Estado (OE 2023), entregue em outubro. «É um bom sinal», reagiu de imediato o primeiro-ministro, no dia seguinte à sua entrevista à RTP1.
No bairro Vale de Chícharos (ou bairro da Jamaica), no concelho do Seixal, António Costa afirmou que estes «números mostram que a economia resistiu bem e recuperou bem da crise da covid… e dá boas indicações para o que pode acontecer em 2023», recordando o contexto internacional de guerra na Ucrânia e da taxa de inflação mais elevada desde o início dos anos 90 do século passado. Ainda esta semana, já no primeiro dia de fevereiro, o Banco de Portugal revelou outra boa notícia: o peso da dívida pública em relação do PIB está agora em 114,7% (2022), uma descida de 10,9 pontos percentuais em relação a 2021 e ligeiramente melhor do que a meta do governo. Na apresentação do OE 2023, Fernando Medina avançava uma previsão de redução da dívida pública para 115% do PIB. Este valor coloca o Estado português mais próximo dos níveis de endividamento de França, Espanha e Bélgica e afastando-se da Grécia e de Itália, o que pode ter efeitos junto das agências de rating que medem o risco de empréstimo aos Estados e aos bancos.
Perante estes números, os mais eufóricos dirão que o pior já passou e que o crescimento forte vai continuar, até porque a inflação dá sinais de abrandamento. Os realistas e prudentemente otimistas, como eu, preferem elogiar os agentes económicos e quem gere as finanças públicas pelos resultados 2022 quanto ao PIB e à dívida pública, mas, para 2023, não é tempo de deitar foguetes porque, antes de melhorar, ainda vai piorar. O BCE vai continuar a subir a taxa de juro de referência, provavelmente em mais 150 pontos base, porque a sua prioridade é controlar ou tentar reduzir a elevada inflação, sem matar a economia. Os efeitos do dinheiro caro nas empresas e nas famílias vão continuar a fazer-se sentir ao longo do ano; o investimento e o consumo deverão retrair, pelo menos, no primeiro semestre; o custo da energia e das matérias-primas (inclusive alimentares) é, na mesma, um terrível estrangulamento para os agentes económicos e sociais; e o cenário de estagflação é o mais provável, se não houver recessão em 2023, porque prevê-se alguma melhoria a partir do verão, dependendo da duração da guerra na Ucrânia – que pode ser prolongada devido aos interesses em jogo, vai agudizar-se no inverno e início da primavera, mas depois poderá haver intensificação dos esforços para um acordo de paz, ainda este ano (ler crónica anterior).
Neste cenário, o primeiro-ministro mostrou-se moderadamente otimista quanto à evolução da economia em 2023, revelou que o problema que mais o preocupa é o efeito da inflação na vida das famílias e das empresas e admitiu que «o Governo pôs-se a jeito, cometeu erros», numa tranquila entrevista à RTP, dia 30 de janeiro, em jeito de balanço de um ano governativo (ou das eleições que deram a maioria absoluta) marcado por treze demissões no seu executivo («nenhum dos casos nos deve afastar do mais importante», disse Costa) e pela gestão de curto prazo, num contexto de guerra na Europa e de taxas de inflação em níveis que não sentíamos no bolso desde o início dos anos 90 do século passado.
António Costa, político hábil (apesar da experiência, hoje menos paciente perante interrupções e perguntas de que não gosta), destacou que «conseguimos vários acordos muito importantes», enfatizou que o ritmo político desta legislatura é uma «maratona», desvalorizou tensões com o Presidente da República, admitiu a possibilidade de o Partido Socialista perder as eleições para o Parlamento Europeu, na primavera de 2024 (com o argumento de que «só por três vezes é que o partido do governo ganhou eleições europeias») e preferiu olhar para as previsões menos pessimistas para a economia europeia, após a cimeira de Davos como, aliás, aqui sublinhámos em anteriores crónicas, em janeiro.
O líder do Governo socialista enfatizou os efeitos da execução do PRR na economia, a curto e médio prazo, e o investimento nas políticas públicas de habitação – um dos maiores problemas dos portugueses e do que resta da classe média. No dia seguinte, após serem revelados os dados do INE relativos a 2022, António Costa foi assistir ao início de realojamento de mais 119 moradores do bairro da Jamaica, conhecido também por algumas visitas de Marcelo Rebelo de Sousa. Durante a visita, um dos membros da associação de moradores agradeceu o realojamento e sugeriu que Costa se candidate a Presidente da República, após o mandato de Marcelo. O primeiro-ministro deu resposta pronta: «Não. Eu gosto de fazer coisas. Cada um deve fazer o que tem jeito para fazer e eu gosto de fazer coisas e ajudar os outros a fazer coisas». Veremos de que forma a evolução da economia terá efeitos na política e nas eleições europeias, presidenciais e legislativas, nos próximos anos. Como diz o PM, há, de facto, muita coisa para fazer, sobretudo, para que a caravela portuguesa não continue a navegar à bolina, isto é, junto à costa.