O piloto português participou pela oitava vez na mítica prova e conseguiu um resultado de relevo aos comandos da KTM 450 Rally: venceu entre os veteranos e foi terceiro na categoria Original by Motul, o mesmo é dizer entre os concorrentes que se aventuram a fazer a prova sem assistência. «Estou contente com a vitória e por ter levado Portugal ao pódio. As minhas vitórias são sempre as de todos os que me apoiam», fez questão de frisar Mário Patrão, que venceu ainda uma etapa e concluiu a prova na 34.ª posição, entre 90 motards. Este resultado vem no seguimento do título de campeão do mundo de Cross Country Rallies na categoria veteranos e do título europeu de Rally Raid.
A organização anunciou uma prova mais difícil em 2023 e Mário Patrão confirmou isso ao longo de 14 etapas e 8500 quilómetros, dos quais 4700 feitos ao cronómetro. Para o piloto de 46 anos, estar à partida do Dakar é «o concretizar de um sonho». «Desde miúdo que ambicionava participar por ser uma prova grandiosa e, ao mesmo tempo, assustadora. É desafiante, queremos sempre voltar e fazer melhor», disse. Em 8 participações terminou seis, e houve aspetos marcantes como nos contou: «As edições na América do Sul impressionaram-me pela adesão do público. Iniciávamos as etapas de madrugada e havia milhares de pessoas a incentivar os pilotos, esse calor humano não existe na Arábia Saudita».
A classe Original by Motul é destinada a pilotos que participam sem assistência. São eles que fazem a manutenção da moto no final das etapas, dispondo do material que segue numa caixa de 45 quilos, que a organização transporta para cada bivouac, onde guardam o material de substituição (lubrificantes e peças). É com isso que têm de sobreviver durante 15 dias. A tarefa é árdua e agrava-se quando há problemas mecânicos. «Por duas vezes a gasolina fornecida pela organização tinha água misturada e fui obrigado a mudar as bombas de gasolina nas duas ocasiões. Não fiquei fora de prova, mas tive de limitar o andamento», referiu o piloto da KTM.
Doze horas a conduzir
O Dakar é a prova de todo o terreno mais dura do mundo, isso ficou bem demonstrado este ano com 52% dos participantes a ficarem pelo caminho. «Foram 15 dias extremamente duros e com poucas horas de descanso», garantiu o piloto. «Foi das edições mais duras e onde os quilómetros custaram mais a passar. Na primeira semana, as especiais eram longas e tinham muita pedra, a média horária não era elevada. As etapas de 400 quilómetros que o ano passado eram feitas em quatro horas este ano demoraram mais de seis horas, depois ainda tinha de fazer a ligação, ou seja, nas primeiras nove etapas estive a conduzir cerca de 12 horas por dia. A segunda semana passada nas dunas foi mais agradável, pois permitiu andar depressa e atacar. Perdi algum tempo na primeira parte da prova, depois consegui recuperar, mas na última etapa voltei a perder tempo ao ficar preso na lama. Queimei a embraiagem e foi difícil sair dessa zona. Nesse momento, assustei-me bastante e pensei que podia não chegar ao fim. A minha expectativa era lutar por um lugar no pódio. Podia ter sido melhor, mas tive alguns problemas, perdi bastantes minutos e isso condicionou o resultado final», resumiu o piloto. Por tudo isto, vencer uma etapa foi «um momento de enorme satisfação».
Por estranho que pareça, as condições climatéricas na Arábia Saudita também não ajudaram, choveu bastante durante alguns dias e isso complicou a vida dos pilotos. «O andamento era mais lento e estávamos muitas horas totalmente molhados». Para enfrentar situações destas é preciso uma boa preparação física, mas não só. «A parte física é feita antes da prova, mas em competição a parte psicológica tem de estar muito forte para enfrentar todas as dificuldades», explicou Mário Patrão. A vida no Dakar é dura. Depois de terminar a etapa, o piloto fazia a manutenção da moto para o dia seguinte, montava a tenda e só depois ia descansar no bivouac, e houve boas surpresas. «Devido às fortes chuvadas a tenda era montada na lama. Houve alguns dias em que a organização facilitou-nos a vida e permitiu que dormíssemos no local onde estavam a trabalhar, foi um luxo dormir ali», disse com sentido de humor. Porém, descansar não era fácil: «Nunca consegui dormir três ou quatro horas seguidas devido ao barulho no acampamento. Havia mecânicos a trabalhar e outros a experimentar carros e motos para o dia seguinte, mesmo com tampões nos ouvidos era difícil dormir muitas horas seguidas». O despertar acontecia entre as três e as quatro da manhã, desmontava a tenda e preparava-se para a etapa seguinte.
Além da capacidade para ‘ler’ o terreno a alta velocidade, os motards têm ainda que ler o roadbook para não se perderem no deserto. «O principal é andar tecnicamente bem de moto. Depois, quanto mais rápido o piloto conseguir absorver as informações do roadbook mais rápido toma uma decisão», explicou Mário Patrão, que ficou impressionado com o andamento dos pilotos da frente. «São superdotados para andar de moto, não há nada de instinto, é tudo técnica de pilotagem. Abrem a estrada e fazem uma leitura do terreno perfeita, quase não se enganam, e a velocidade a que andam é impressionante», fala quem sabe.
O piloto tem mais de 20 anos de carreira neste tipo de provas e teve Stéphane Peterhansel, Cyril Després e Marc Coma como referências, e fez uma avaliação curiosa. «Esses pilotos eram os melhores na época, só que houve uma grande evolução e, hoje em dia, estariam a lutar pelos dez primeiros, mas dificilmente ganhariam. Andavam depressa, mas não tão depressa como andam os melhores atualmente».
Mário Patrão pensa já na edição de 2024. «Vou continuar com o projeto das motos elétricas em Portugal, e preparar melhor o próximo Dakar. Terminei em terceiro, mas a intenção é ganhar a categoria. Para isso é necessário estar ao nível dos melhores desde o início do rali. A ideia é fazer algumas provas no estrangeiro e testar no deserto durante algumas semanas, mas isso depende do apoio dos patrocinadores», frisou o piloto.
As participações de Mário Patrão têm sempre uma vertente ambientalista. Em 2022, participou em oito provas com uma moto 100% elétrica e no Dakar 2023 alinhou com a KTM com motor a gasolina, mas sem esquecer a sustentabilidade. «As emissões de CO2 libertadas pela moto estão a ser neutralizadas e compensadas por via da reflorestação», e explicou de que forma isso está a ser feito: «antes do Dakar fizemos uma primeira plantação de centenas de árvores autóctones no Parque Natural da Serra da Estrela e vamos continuar a fazê-lo porque queremos competir de uma forma sustentável», disse o piloto de Seia.
Perder um amigo
O desporto motorizado também tem o seu lado negro. Mário Patrão passou por isso com o acidente fatal de um piloto que também era seu amigo. «O acidente mortal do Paulo Gonçalves foi um golpe muito duro. Todos nós ficámos em choque, foram dias muito complicados. Recebemos apoio psicológico da equipa, mas nunca deixámos de pensar no que aconteceu. Nas etapas seguintes pensei muitas vezes que o acidente do Paulo podia acontecer a qualquer um. Depois disso, prestei assistência a um piloto holandês, mas de nada valeu pois viria a falecer», contou Mário Patrão. «Nesses momentos equacionamos se vale a pena correr riscos», desabafou. É preciso grande coragem e uma mentalidade muito forte para voltar a estar em cima de uma moto. O mind set dos pilotos é muito diferente de uma pessoa comum, por isso a solução era continuar. «O Paulo não queria que ninguém parasse por causa dele. Era muito determinado e queria que continuássemos a lutar por aquilo que mais gostamos».
Para qualquer piloto o desafio supera o risco, «por isso é que no ano seguinte estamos novamente à partida». «Já me aconteceu ao terceiro dia estar a pensar o que é que estou ali a fazer, mas depois quando regresso a casa só penso em voltar», admitiu Mário Patrão, que fez questão de sublinhar: «É importante ter algum medo, o medo é nosso aliado. Este pensamento acaba por servir um pouco de defesa, pois o deserto não perdoa e magoa».