Por Luís Ferreira Lopes
Diretor Executivo de Economia/Empresas- PT Amanhã
Não é preciso ter uma bola de cristal para prever que a economia real vai piorar, antes de melhorar, neste primeiro semestre. Será assim em Portugal, na Europa e vários mercados mundiais. Temos de estar mais atentos aos vários sinais da chamada economia comportamental para entender a atitude pragmática dos agentes económicos quando, por exemplo, cortam agora orçamentos e investimentos. Ler os indicadores avançados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Banco de Portugal (BdP) é vital para quem decide no setor privado ou no Estado. Um dos indicadores mais úteis, criado pelo BdP há dois anos (com base regular), é o indicador diário de atividade económica, o DEI – Daily Economic Indicator , uma ferramenta de qualidade feita por economistas sólidos e que deveria ser olhada com maior atenção por quem toma decisões nas organizações. Para quem tiver dúvidas, sugiro uma viagem rápida a dois dias ‘9’, em 2009 e 2017, em meses diferentes, com um professor de Direito e um prémio Nobel.
– 9 de setembro de 2017. A Academia Real de Ciências da Suécia atribuía o prémio Nobel da economia a Richard H. Thaler, pelo seu pioneirismo na aplicação da psicologia ao comportamento na economia. O professor Thaler contrariou a teoria clássica de que as decisões são tomadas, regra geral, pela racionalidade económica. «Para fazer uma boa análise em Economia, deve ter-se em mente que as pessoas são humanas», lembrou ao receber o prémio. Com sentido de humor, este académico norte-americano respondeu à pergunta dos jornalistas sobre como gastaria o prémio de cerca um milhão de dólares: «Tentarei gastá-lo da forma mais irracional possível». Por que conto esta história que poderá ainda chocar alguns macroeconomistas mais conservadores sobre as virtudes de olhar com atenção para a economia comportamental?
Para tentar antecipar ações de gestão que os líderes terão de tomar nas empresas e famílias. Para evitar ou atenuar erros de decisão como cortes cegos nas estruturas de custo das organizações, leia-se nas pessoas. Para deixarmos de acreditar no Pai Natal, mesmo às portas do Carnaval, em especial na fezada de que a bolha imobiliária não vai rebentar, quando boa parte da classe média e média baixa já não está a conseguir pagar a prestação do crédito à habitação – mesmo que os investidores estrangeiros ainda pressionem artificialmente os valores de compra e venda das casas nas principais cidades do país. Para deixar de fingir que acreditamos no discurso político habitual de que estão a ser tomadas todas as decisões para reduzir os efeitos sociais da crise mundial. Convém lembrar que Portugal é uma economia aberta ao comércio externo desde a época das descobertas, nos séculos XV e XVI.
– 9 de fevereiro de 2009. Crise financeira instalada desde setembro 2008, bancos e seguradores em bancarrota, milhares de despedimentos, agentes económicos lusitanos em pânico. Nesses meses loucos, aceitei o desafio de descodificar a terrível recessão e escrever noite dentro (após o trabalho, enquanto editor de Economia da SIC). O prémio foi uma sala cheia de amigos(as) no lançamento, em Lisboa, de um livro sobre a relevância da economia comportamental e das finanças pessoais ou familiares – tema agora, de novo, em voga. Insisti então na ideia de que há vida além da macroeconomia e dos modelos das previsões da Primavera e de Outono, porque é preciso olhar para indicadores avançados como a evolução das vendas de cimento, a performance das empresas de construção ou o comportamento de consumo das famílias – o que era desvalorizado, regra geral, à época. No atual contexto de recessão ou estagflação de 2023, o que afirmei há 14 anos é preocupante, de novo, tal como a seguinte reflexão do autor do prefácio.
«Quanto tempo durará a recessão? – perguntarão muitos portugueses. (…) Passou a chamar-se crise, não a um momento de viragem, mas a períodos cada vez mais longos de crescimento muito fraco, de quase paragem ou de queda da riqueza sem continuidade. Ou seja, passou a ser quase sempre crise. (…) Por isso, e porque a nossa economia, pequena e aberta ao exterior e com muitos problemas próprios, sofre com os sofrimentos alheios, e soma-lhes os nossos, é difícil dizer mais do que admitir que a recessão (…) está para durar um ano e meio a dois anos e a crise esbatida (se se quiser, um pouco menos dura) ainda outro ano. Mas é uma previsão arriscada. Basta que o mundo ou a Europa não melhorem ou que se agravem condições internas políticas, sociais e, claro, económicas, para que estes tempos se alonguem. Ou – hipótese menos crível – que o céu desça à terra e o desanuviamento chegue antes do esperado.»
Estas palavras poderiam ter sido escritas hoje sobre o cenário sombrio de enorme incerteza na economia portuguesa e europeia. O prefácio (aqui em enxerto) foi escrito a 24 de janeiro de 2009, em Cascais, por um respeitado professor de Direito que apresentou o livro no tal dia 9 de fevereiro, no Chiado: é o Presidente da República Portuguesa – eleito, ironicamente, a 24 de janeiro de 2016 e reeleito no mesmo dia, em 2021. Não sei se haverá coincidências na vida, mas recordo aqui estas palavras de 2009 (dois anos antes do pedido de resgate do Estado português à troika) porque é avisado que os líderes políticos saibam ouvir empresários, gestores, economistas, professores e muitas mulheres e homens, de todas as classes sociais, que têm contas para pagar do (insuportável) empréstimo da casa, dos alimentos, da luz, do combustível da viatura ou do aquecimento do lar ou da fábrica, bem como irem ao terreno visitar empresas na indústria, no comércio e serviços ou na agricultura – e perceber o esforço hercúleo dos portugueses para suportar o brutal aumento do custo da energia e das matérias-primas em geral. Não vale a pena fechar os olhos ou empurrar problemas com a barriga. Basta estar atento aos sinais da economia comportamental para antecipar e agir.