O que aconteceria se Portugal fosse abalado por um sismo da mesma magnitude dos que devastaram a Turquia e a Síria? Esta é uma das perguntas mais repetidas nos últimos dias e as respostas diferem. A título de exemplo, a maioria dos engenheiros realça que a Área Metropolitana de Lisboa – e a cidade, mais especificamente – está em alto risco, mas o bastonário da Ordem dos Engenheiros mostra uma posição contrária, falando em «alarmismo desmesurado».
«Na Área Metropolitana de Lisboa cerca de 20% do edificado habitacional poderá sofrer danos com um sismo de magnitude moderada. Se olharmos para a cidade de Lisboa, esses números ascendem aos 60%», escreveu Mónica Amaral Ferreira na crónica Os desastres não ocorrem por acaso, em novembro do ano passado. «O que é que já devia ter sido feito para evitar este panorama? Uma política de reabilitação que contemplasse o reforço sísmico e não apenas obras de cosmética», diz agora em declarações ao Nascer do SOL. «A primeira regulamentação sísmica data de 1958. Segundo os dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística (INE) cerca de 20% do parque edificado da Área metropolitana de Lisboa é anterior a 1960; e em Lisboa esses números ascendem aos 60%. Vemos muitas obras de reabilitação, nos edifícios mais antigos (pombalinos e gaioleiros), que não tiveram em conta a resistência sísmica do edifício, aliás tornaram-nas mais frágeis e vulneráveis a uma futura ação sísmica», explica a Investigadora do Instituto Superior Técnico (Investigação e Inovação em Engenharia Civil para a Sustentabilidade – CERIS).
«São obras que, muitas vezes, incluem a remoção de paredes, resistentes e não resistentes, abertura de vãos, e outras práticas que muitas vezes são feitas sem conhecimento técnico de quem projecta ou de quem executa. Por exemplo, muitas vezes temos a substituição das paredes por vigas metálicas. Embora possa ser eficaz para suster as cargas gravíticas, é praticamente inútil para resistir às forças horizontais induzidas pela ação sísmica», explicita. «Portanto, temos de ter sempre a opinião de um engenheiro de estruturas. Tivemos muitos anos sem uma regulamentação sísmica para reabilitação, o que proporcionou a legalidade da intervenção num edifício não contemplar reforço sísmico. Em muitos casos tornámos as construções mais vulneráveis e não sabemos».
«É um processo longo, que requer vontade política acima de tudo. Passa por muitas frentes. Reforçar os edifícios mais antigos e que apresentam maior vulnerabilidade. Dotar os técnicos de maior conhecimento. Haver uma fiscalizaçção efetiva. Haver vontade política em fazer bem, em ouvir os constantes alertas da comunidade científica», frisa. «Só havendo uma política pública e interesse em combinar os recursos administrativos, financeiros, técnicos e humanos para salvaguardar a vida e o bom funcionamento das estruturas urbanas é que começará a ter relevo os estudos até então desenvolvidos», salienta Mónica Amaral Ferreira. «Aqui destaco o Programa ReSist – Programa municipal de promoção da resiliência sísmica do parque edificado, municipal e privado e infraestruturas urbanas municipais – da Câmara Municipal de Lisboa, e coordenado pela Drª Cláudia Pinto».
A gaiola pombalina e os reforços
O renascimento urbanístico de Lisboa, pós-terramoto de 1755, foi liderado pelo Marquês de Pombal e muito marcado pela ‘Gaiola Pombalina’. Mas… em que consiste este elemento estrutural? «A Gaiola Pombalina consiste numa estrutura de madeira com barras horizontais, verticais e diagonais formando triângulos e gerando uma estrutura treliçada tridimensional de madeira», explicam Mário Lopes e Rita Bento, professores no Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos (DECivil) do Instituto Superior Técnico. «Como o triângulo é o único polígono que não pode deformar sem variar o comprimento dos lados (por exemplo um quadrado de barras articulados passa facilmente a losângulo), a Gaiola Pombalina resiste bem a forças horizontais, em qualquer direção, como as que as vibrações sísmicas induzem nas estruturas», adiantam sobre a estrutura em forma de cruzes de Santo André que ainda poderia ser usada nos edificados de hoje. «Também se poderia usar, mesmo em madeira, mas é mais eficiente usar treliças em aço», observam os investigadores.
«Na Turquia e noutros países do sul da Europa esta estrutura também foi utilizada. A posteriori não temos uma ideia global», indicam, sendo que na comunicação Earthquake Resistant Structures Of Portuguese Old ‘Pombalino’ Buildings, de 2005, escreveram que «o comportamento sísmico dessas estruturas sob ações sísmicas não está completamente caracterizado. Por exemplo, as conexões entre os elementos de madeira da ‘gaiola’ podem ser responsáveis pela ductilidade global, bem como a caracterização do amortecimento que deve ser caracterizada considerando as características de fissuração da alvenaria e o destacamento da alvenaria que cobre os elementos de madeira tipo ‘gaiola’»,lê-se no artigo que escreveram em conjunto com Rafaela Cardoso, sendo acrescentado que «a introdução de uma viga de betão/aço executada em todo o perímetro do edifício no topo é uma solução de reforço eficiente porque evita o mecanismo de desnível das fachadas que era o mecanismo observado no estudo realizado».
Será que esta solução de reforço tem sido utilizada? «Sim, principalmente nos Açores, onde é designada por cinta anti-sísmica, mas não só. É um reforço importante, mas geralmente é insuficiente para garantir um desempenho sísmico adequado, já que não é a panaceia para todos os males», constatam. No texto, referiram igualmente que existem edifícios com fachadas consideradas ‘pombalinas’, mas cujo interior não contempla a ‘gaiola’. O que deve ser feito nestes casos? O risco de colapso é maior em caso de sismo? «Sim, o risco é maior. A solução pode envolver várias medidas, uma que pode ser importante é ligar bem as fachadas a paredes perpendiculares (no interior ou nas empenas), aos pisos e às coberturas, para impedir as fachadas de colapsarem para fora do plano», alertam.
Uma reflexão passageira?
Carlos Moedas disse nesta quarta-feira que a cidade de Lisboa está «extremamente preparada» para um eventual sismo de grande escala, semelhante ao que aconteceu esta semana com a Turquia. «Gostava de deixar aqui alguma tranquilidade sobre a preparação que Lisboa tem em relação a potenciais sismos, e todos nós sabemos que vivemos numa zona do país em que estes sismos podem acontecer. Como engenheiro civil e como alguém que trabalhou nesta área, a nossa cidade está extremamente preparada depois dos anos de 1980, infelizmente não nos bairros mais antigos, mas muito, muito, preparada em termos de engenharia e de construção», afirmou o presidente da Câmara de Lisboa, numa reunião pública da CML, para audição de munícipes das freguesias de Santa Maria Maior, Santo António, São Vicente e Misericórdia, ao ser questionado por um cidadão sobre a situação.
A Associação da Proteção Civil acusou Moedas de proferir uma declaração «falsa e ilusória».
«Por em Portugal os sismos ocorrerem com uma frequência reduzida, a perceção do risco em geral, por parte da população e do poder político, é reduzida. Achamos que a catástrofe acontece sempre aos outros e nunca a nós. Muitas pessoas acreditam que os sismos não existem, por serem raros, por não terem memória», aponta Mónica Amaral Ferreira. «E, como tal, o cidadão não exige às autoridades melhores construções, melhores escolas, melhores hospitais ou outras infraestruturas críticas que são vitais após um evento. É preciso ter presente que influenciamos o comportamento da população por meio do ensino, da informação e dos exemplos práticos».
«Um sismo como o que abalou a Turquia é pouco provável de ocorrer em Lisboa (sendo mais prováveis sismos desta magnitude a sudoeste do cabo de São Vicente) no entanto, magnitudes mais baixas e com graves consequências são expectáveis», refere a especialista. «De qualquer maneira, a intensidade de um sismo, num determinado local, deriva do grau de dano observado nas suas estruturas. Consequentemente os impactos desses danos irão ter maior ou menor expressão na sociedade. A partir de determinados graus de dano – verificados no parque edificado, nas infraestruturas (redes de gás, luz ou água inoperacionais) e nos meios de comunicação (vias obstruídas por escombros ou danificadas) – e das interdependências entre estes sistemas, surgem diferentes níveis de impacto que contribuem para a inutilização ou interrupção de determinada área por tempo indeterminado. São os efeitos em cascata».
«A nível social podemos concluir que num território sem um parque edificado em condições de habitabilidade e vivência, os seus residentes e trabalhadores não poderão voltar às suas vidas. Sem trabalhadores as empresas e indústrias não poderão reiniciar as suas actividades, e sem actividade económica, as comunidades continuarão dependentes da ajuda do Estado e assim sucessivamente», continua a investigadora, concluindo: «Espero que este momento não seja apenas passageiro e que daqui a semanas já ninguém se lembre que tem um problema em mãos. A eficácia da engenharia e da prevenção está comprovada nos sismos que ocorrem no mundo».
O Presidente Marcelo já pediu também ao primeiro-ministro garantias sobre o estado de preparação do país para eventuais sismos.