por Manuela Ramalho Eanes
Senti necessidade, por ocasião da morte do Papa Bento XVI, de dar o meu testemunho sobre a sua visita a Portugal, no último artigo que escrevi para o Nascer do Sol, a 13 de janeiro passado. Mas, falhei numa omissão, talvez por cansaço e demasiados compromissos – não referi a importância, nesta visita, de D. Carlos Azevedo, a quem me une uma ligação muito afetiva e de profunda admiração. Sempre discreto, quase nunca aparece na linha da frente, mesmo quando tem direito à luz da verdade.
Na minha vida, muito ligada ao Humanismo Cristão (e à máxima de Mounier, que adotei como lema de vida: «Só existimos quando existimos para os outros», mas, também, a Teilhard de Chardin e Jacques Maritain), há duas marcas que procuro não esquecer: «Não desistir nunca» (como diz D. Hélder da Câmara) e não esquecer, também, seja a quem for, um elogio ou um agradecimento.
Admiro muito D. Carlos Azevedo, por várias razões, entre elas pelo seu apostolado de abertura aos grandes problemas de crentes e não crentes e a sua disponibilidade para todos os que querem conhecer melhor uma Igreja sem tabus e de defesa e promoção da dignidade dos direitos humanos dos mais frágeis e sem voz.
Lembro, ainda, D. Carlos Azevedo como historiador de formação e membro da Academia Portuguesa de História, com diversos livros publicados, de que destaco a obra que recentemente dedicou à grande Artista Irene Vilar, autora, entre várias outras, da belíssima estátua de um Anjo que está na Foz, no Porto. Trata-se de um livro que, além de fazer justiça à obra artística de Irene Vilar, de quem eu e o meu marido fomos muito amigos (e temos o privilégio de ter na nossa casa duas obras), só poderia ser escrito por um homem de tanta cultura, sabedoria e sensibilidade, que, inclusivamente, exigiu um grande trabalho de pesquisa e investigação.
Como reconhecimento destes seus dons, D. Carlos Azevedo foi, em dezembro, nomeado pelo Papa Francisco delegado do Comité Pontifício para as Ciências Históricas, altura em que lançou, em Portugal, o seu último livro intitulado Entre o Vaticano e Portugal, em cuja sessão de lançamento estive presente.
Aliás, tem sido entre o Vaticano e Portugal que D. Carlos Azevedo tem exercido a sua atividade. Nomeado pelo Papa João Paulo II como bispo auxiliar de Lisboa em 2005, foi, em 2011, nomeado delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, tendo passado a integrar, desde junho, o Dicastério para a Cultura e a Educação.
Ainda em Portugal, D. Carlos Azevedo foi Secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, membro da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, Presidente da Comissão Científica para a publicação da Documentação Crítica de Fátima, dirigiu a obra Dicionário e História Religiosa de Portugal, em 7 volumes, editada pelo Círculo de Leitores, foi professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e vice-reitor desta instituição académica, onde também presidiu à direção do Centro de Estudos de História Religiosa.
Em 2006, criou a Associação Casa Daniel, espaço sonhado com Daniel Faria, um grande poeta, pouco divulgado, que, na sua breve vida, escreveu «uma poesia ainda com o sopro divino e, ao mesmo tempo, extraordinariamente humana», como disse D. José Tolentino de Mendonça.
A recente nomeação de D. Carlos Azevedo confirma-o como um verdadeiro exemplo na Cultura e na Igreja, aberta ao mundo e aos homens, numa dimensão espiritual, de comunhão de valores, como a solidariedade e a procura de um mundo melhor, com mais justiça e mais fraterno.
Como todos lembramos, a visita do Papa Bento XVI a Portugal foi um sucesso, deixando, nos portugueses, a recordação grata de um Papa voltado para a Verdade, o Humanismo, o Bem Comum, os Direitos Humanos e a Cultura. A valorização do aspeto cultural, o contacto com os jovens e a imagem humanista que Bento XVI deixou nos portugueses deve-se, também – e sobretudo – ao trabalho cuidado de uma equipa liderada por D. Carlos Azevedo. E esta visita atingiu esta dimensão porque foi organizada e dinamizada por um homem de rara cultura, vasta sabedoria, profissionalismo, experiência e conhecimento das grandes questões culturais, com um trabalho competente, rigoroso e de grande dedicação.
Por dever de consciência e por amizade, tinha de prestar esta homenagem pública a D. Carlos Azevedo, que, no texto de 13 de janeiro, deveria não ter esquecido de destacar.