Por Manuel Pereira Ramos
Jornalista
No decorrer da sua longa carreira como académico e político, Aníbal Cavaco Silva viu-se agraciado com um bom número de distinções que lhe foram concedidas por importantes entidades tanto estatais como privadas. Uma delas foi a de Académico Honorário da Real Academia das Ciências Morais e Politicas, uma destacada instituição espanhola surgida a meados do século XIX durante o reinado da Rainha Isabel II e com o objetivo de ser «um espaço de encontro de prestigiosas personalidades científicas do mundo do Direito, das Ciências Politicas, Sociais, Económicas e Filosóficas assim como de distinguidas figuras da vida politica». Durante todos estes anos da sua existência, a Real Academia só concedeu o mesmo grau honorifico, além de a Cavaco Silva, a outras quatro personalidades: Enrique Iglésias, Romano Prodi, Jacques Delors e, mais recentemente, Giuliano Amato.
O ato de aceitação da distinção teve lugar há 29 anos, a 23 de janeiro de 1994, na sede da Academia situada na Casa de los Lujanes carregada de história por ser o edifício civil mais antigo de Madrid. O cerimonial, presidido pelo Rei Juan Carlos I, teve como inicio um cortejo dentro dos corredores que conduziam à sala principal e nele o próprio Monarca, o presidente da instituição e Cavaco Silva acompanhado pelo seu padrinho na distinção, o político Manuel Fraga Iribarne.
O então primeiro-ministro do governo português dedicou o seu longo discurso ao tema da ‘policy mix’, a adequada combinação das politicas orçamental e monetária que ele considerou como sendo «um dos problemas mais complexos da politica económica» e, que, segundo a sua experiência, deve ser encarado seguindo três regras: a primeira é a de que não há formulas gerais, cada caso é um caso e deve ser tratado tendo em conta a sua natureza especifica, a segunda é a inserção das politicas de estabilização num quadro geral de desenvolvimento a médio e longo prazo e a terceira é o pragmatismo: «Ai daquele que, na execução da politica económica, não respeite os princípios teóricos mas ai também daquele que se deixe conduzir exclusivamente por aqueles princípios. Estas são as três regras que sempre tive em mente em toda a minha vida profissional como teórico, analista e primeiro-ministro». Cavaco fez depois uma extensa análise sobre a evolução da nossa economia desde 1974 até à adesão de Portugal à Comunidade Europeia, salientando que «imediatamente depois da revolução, a economia e a sociedade portuguesa sofreram um conjunto de choques de origem interior e exterior particularmente fortes, criaram-se expectativas de melhoria imediata do nível de vida e a resposta dos sucessivos governos foi a de manter artificialmente essas expectativas mediante a explosão dos salários, do consumo, das transferências e dos subsídios do Estado, a estatização duma grande parte da economia provocou uma profunda alteração nas regras de jogo provocando uma enorme perturbação e um colapso dos investimentos», fazendo tudo isso com que, quando em 1985 tomou posse, «o meu governo se tenha encontrado com uma situação económica e social muito complexa». Prosseguiu enumerando e analisando as medidas tomadas pelo governo que presidia concluindo que «a experiência portuguesa da realização duma politica de estabilização constitui um caso único na Europa pela profundidade das mudanças realizadas em tão curto espaço de tempo».
A resposta coube a Fuentes Quintana, antigo vice-primeiro-ministro com Adolfo Suárez que, na sua qualidade de presidente da Real Academia, destacou «o denso e fecundo curriculum da vida do novo Académico, é realmente difícil reunir, em cinquenta e quatro anos, uma soma de logros comparável à do Dr. Cavaco Silva para merecer a nossa eleição no duplo campo da investigação em ciências sociais e no desempenho da politica ativa».
Antes, porém, destas intervenções, viveram-se na sala, momentos de confusão, nervosismo e incerteza que puseram em risco o brilhantismo da cerimónia. Sucedeu que, logo após o Rei ter dado por aberta a sessão, um sujeito que estava sentado num canto e que ninguém tinha dado por ele, levantou-se e, de braço estendido, gritou: «Peço a proteção de Sua Majestade». A surpresa foi geral, o Monarca, confrontado com uma situação para ele inédita, não sabia que fazer nem como reagir, pela sua cabeça e de todos os presentes deve ter passado de tudo, desde que se podia tratar de um louco até á possibilidade de um camuflado ataque terrorista. Por fim e depois de uns minutos que pareceram eternos, os também estupefactos agentes de segurança acabaram por retirar á força, da sala, ao que depois de soube que se tratava de um professor que, sentindo-se maltratado pela sua Universidade e ignorado pelas entidades ás que recorrera, decidiu apelar à proteção do Rei, uma fórmula que parece ter a sua origem na Idade Média e que os súbditos, em desespero de causa, usavam na esperança de que o seu Senhor, lhes fizesse a justiça que, em outras instâncias, não tinham podido conseguir. Cavaco Silva assistiu a tudo isso, como todos os presentes, com cara de não entender nada do que estava a acontecer mas, finalmente, o desagradável incidente ficou resolvido e ele pôde voltar a casa com o seu novo título de Académico Honorário de uma das mais antigas e prestigiosas academias espanholas.