Sempre que se aborda o tema da Saúde Mental, não há ninguém que não o considere da maior importância e não o coloque no topo das prioridades.
É uma área em que todos, desde os profissionais de saúde à opinião pública em geral, parecem estar de acordo quanto à necessidade de investimento.
Porém, na prática, não é bem assim – apesar de se saber que este problema afeta grande parte da população, onde também se incluem os médicos.
O Secretário-Geral das Nações Unidas, no passado dia 10 de outubro – Dia Mundial da Saúde Mental –, sublinhou a importância desta área, considerando-a como prioridade mundial, muito embora se reconheça ‘negligência’ dos cuidados de saúde onde a resposta é insuficiente, inadequada e a prevenção quase não existe.
Como médico dos cuidados primários, facilmente chego à conclusão que o fator psíquico está presente na maioria das situações clínicas que me passam pelas mãos. Nalguns casos é mesmo o grande causador de certas doenças que se podem agravar se não estivermos atentos a esse fator desencadeante ou se ignorarmos essa realidade.
Não é fácil lidar com este problema, dada a complexidade das suas múltiplas vertentes. Em primeiro lugar, muitos doentes não admitem que estão a necessitar de apoio psíquico, e por vezes até levam a mal que seja o médico a dizê-lo.
Depois, as consultas de Saúde Mental, à exceção das urgências, são as menos acessíveis aos médicos de família ou aquelas em que a articulação centro de saúde-hospital se processa com maior dificuldade. Quando trabalhei na USF da Ajuda, pude constatar como era complicado referenciar um doente a uma consulta de Psiquiatria – e na maioria dos casos os doentes ficaram sem resposta.
O recurso ao setor privado também não era fácil, e ainda hoje se sente dificuldade pelo tempo de espera para uma consulta dessa especialidade.
Os médicos não escapam ao problema da Saúde Mental, visto estarem sujeitos a múltiplos fatores de stresse no exercício da profissão – ultimamente até com o risco de agressões por parte de alguns doentes. E, de um modo geral, não procuram ajuda.
É preciso ter em atenção todos estes fatores na abordagem de um tema que é melindroso e preocupante. Os dados disponíveis não são animadores. Vejamos: a venda de psicofármacos não pára de aumentar, bem como os casos de ansiedade e depressão – que subiram vertiginosamente com os isolamentos a que fomos obrigados nos tempos da pandemia e, mais recentemente, com a guerra da Ucrânia. Sem esquecer o risco de suicídio, cujas taxas elevadas constituem uma ameaça permanente.
Em termos sociológicos – e baseando-me na minha experiência clínica –, parece-me que a sociedade seguiu um caminho contrário às expectativas de muita gente depois da pandemia. Em vez da amizade, da solidariedade e da união entre as pessoas que se esperava, o que se tem verificado é um afastamento, um desinteresse generalizado e uma falta de motivação para tudo. Terá sido a covid-19 a causadora? Não o sabemos, mas uma coisa é certa: vários doentes lhe apontam o dedo e culpam-na pelo vazio em que caíram após longos períodos de confinamento. Dizia-me uma doente: «Depois da covid-19 e daquilo que passei nunca mais fui a mesma pessoa».
Talvez pelos novos tempos que estamos a viver após termos saído do ‘túnel da pandemia’, se olhe agora para a Saúde Mental com outros olhos e se sinta uma absoluta necessidade de nela se apostar e investir.
Espero que sejam tomadas medidas rápidas e concretas, e não nos fiquemos pelos projetos e pelas famosas reuniões onde muito se fala, pouco se faz e nada se vê. Ninguém sabe o que nos reserva o dia de amanhã, mas, conhecendo-se os tempos tenebrosos do passado, há que preparar o futuro enquanto é tempo, para evitar males maiores.
Quero acreditar que alguma coisa se fará em nome de uma Saúde Mental cada vez mais necessitada de uma intervenção urgente. Mas se tudo se mantiver como até aqui, sem que nada seja feito, nunca passaremos do mesmo patamar. Ou seja, a Saúde Mental continuará a ser para todos a eterna oportunidade adiada.