Netflix. Novas regras levantam protestos e questões sobre privacidade

A Netflix introduziu novas regras: cada subscrição passa a ser exclusiva a uma residência oficial, o que impossibilita os utilizadores de ter acesso ao serviço de streaming caso se encontrem noutro local.

Numa decisão que causou desagrado entre os seus mais de 200 milhões de utilizadores, o serviço de streaming anunciou que iria deixar de permitir contas partilhadas, uma medida que já entrou em vigor em Portugal.

“A Netflix tornou-se diferente em termos comerciais pela partilha de contas e pela possibilidade de uma utilização mais abrangente do núcleo familiar quando um dos seus membros não estivesse em casa”, diz ao i o jurista da Deco, Luís Pisco. “Neste momento, tornou-se uma plataforma igual a tantas outras que já existem na internet, criando dúvidas se esta decisão não irá trazer consequências para a própria Netflix no futuro”, acrescenta.

Segundo um comunicado divulgado nas redes sociais da Netflix Portugal, que continua a ser a plataforma de streaming mais utilizada a nível nacional, superando serviços como a HBO Max ou Amazon Prime, a empresa explica que sempre tentou “facilitar” a partilha de contas entre pessoas que vivem na mesma casa; contudo, esta funcionalidade gerou “alguma confusão” em relação ao “quando e como a Netflix pode ser partilhada”.

“Hoje, mais de 100 milhões de residências partilham contas — o que impacta a nossa capacidade de investir em séries e filmes de grande qualidade”, pode ler-se no site do serviço de streaming.

“Assim, durante o último ano, explorámos diferentes abordagens à resolução deste problema na América Latina e chegou agora o momento de alargar a implementação desta funcionalidade, já a partir de hoje [8 de fevereiro], a outros países como o Canadá, a Nova Zelândia, Portugal e Espanha. O nosso foco foi dar aos nossos membros o controlo sobre quem tem acesso à sua conta”, concluía.

Ao mudar as “regras do jogo” desta forma, existe uma alguma queixa que os utilizadores da possam fazer? Aos olhos da Deco, não.

“A nosso ver, não existe, em termos legais, uma situação que possa suscitar, da parte do consumidor uma vez que se trata de um contrato de subscrição mensal em que a pessoa pode cancelar a qualquer momento, uma vez que não existe fidelização. Isto é, se não existir concordância com o novo modelo de negócio, este pode sempre ser cancelado”, explica o jurista da maior organização de defesa do consumidor portuguesa.

Caso o utilizador da Netflix esteja descontente com esta decisão, a melhor forma de se opor a esta decisão é “não renovando a sua subscrição e deixando de ser cliente da Netflix”, defende Pisco.

 

O que muda na Netflix?

Posto isto, de agora em diante, todos os membros que tenham o plano “standard” ou “premium” podem “adicionar contas de membro adicionais secundárias, até duas pessoas fora da sua residência”, o que terá um custo mensal adicional de 3,99 euros, revelou a empresa.

Caso esteja a viajar, o serviço de streaming revela que será possível os membros continuarem ”a ver a Netflix nos seus dispositivos pessoais ou iniciar sessão num novo televisor, por exemplo, num quarto de hotel ou numa casa de férias”.

Com estas medidas prontas a entrar em vigor, num email enviado para os seus utilizadores, com o título “A Netflix destina-se a ser usada numa única residência”, a empresa aconselha cada pessoa a configurar a sua “localização principal até ao dia 21 de fevereiro” reencaminhando para um site onde ensinam a completar este passo.

Caso não seja definida uma localização principal até à data estipulada, a Netflix irá definir automaticamente “com base no endereço de IP, no ID dos dispositivos e na atividade da conta”, pode ler-se no Centro de Assistência do sistema de streaming, o que fará com que todos os outros aparelhos ligados a diferentes redes de wi-fi sejam bloqueados e impedidos de ver este serviço.

 

Uma questão de privacidade

Estas novas medidas da Netflix foram alvo de discussões no governo português, com diversos deputados a questionarem se a plataforma de streaming, ao usar o endereço de IP, ID de dispositivos e atividades de conta para detetar em que local é que os utilizadores estão a entrar, não estaria a violar a privacidade dos seus utilizadores.

Três deputados do Partido Socialista (PS) questionaram o ministro das Infraestruturas, João Galamba, se este tomou alguma medida para a salvaguarda da privacidade dos utilizadores e se foi feita alguma diligência junto da Autoridade Nacional de Comunicações sobre este assunto.

“Conforme resulta do publicamente anunciado pela empresa Netflix, esta sua pretensão de limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada dos consumidores visa exclusivamente servir propósitos comerciais, não sendo dada qualquer explicação pela mesma sobre como pretende compatibilizar esta sua pretensão com o integral cumprimento deste direito fundamental”, argumentam os deputados, questionando se esta atuação estará em conformidade com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e até mesmo com a Constituição.

O Centro de Assistência da Netflix esclarece que são usadas informações como “endereços de IP, os identificadores dos dispositivos e a atividade da conta, para determinar se um dispositivo com sessão iniciada na sua conta está associado à sua localização principal”.

Contudo, deixa claro que não recolhe os dados GPS “para determinar de forma precisa o local físico dos seus dispositivos”. “Usamos o endereço de IP da aplicação ou do dispositivo Netflix para assumir a respetiva geral (como seja, a cidade, estado/província e código postal). Por exemplo, a sua localização principal pode ser apresentada como ‘perto de cidade, estado/província’”, pode ler-se no site da plataforma.

O jurista da Deco explica que “a recolha do IP é uma prática comum em quase todas as ofertas de conteúdo digital”. “Existe uma autorização por parte do cliente quando subscreve o conteúdo para que possa ser recolhido o seu IP e que possa ser verificado se o utilizador está a utilizá-lo”, acrescentando, porém, que existem outras “questões de privacidade” que são levantadas.

“Em muitos casos, o titular do contrato não é o utilizador do serviço, ou seja, pode acontecer que quem vá utilizar o serviço seja uma terceira pessoa que não assinou o contrato”, afirma Luís Pisco, recordando também que “pode acontecer que quem esteja a utilizar a conta seja alguém que nem sequer faz parte desta subscrição e acaba por ver os seus dados pessoais a serem recolhidos pela empresa”.

O especialista aponta ainda outra questão que se levanta com as recentes mudanças do serviço de streaming: “Com a desculpa da alteração de partilha de contas, vem alterar o seu modelo de negócios e modifica os seus pacotes de serviços com preços diferentes e mais elevados”.

“Existe um aumento de preços dissimulado de uma simples alteração de partilha de contas”, defende.