Querida avó,
Na última carta falavas do Dia dos Namorados. Percebi, perfeitamente, que era uma provocação! Pois, tal como tu, não celebro esta data.
Nada contra! Mas se temos o Santo António como Santo Casamenteiro não vejo necessidade alguma de celebrar o São Valentim. Aliás, acho tudo uma piroseira!
Celebrar o amor de forma coletiva com milhares de pessoas em restaurantes, hotéis e afins não é para mim! Gosto sim de celebrar o dia em que conheci a pessoa amada.
Isto não quer dizer que não seja uma pessoa romântica, pois sou. Até te posso dizer-te que sou um coração de manteiga.
Quando era jovem gostava imenso de ouvir o Tony de Matos a cantar a canção “Sou Romântico”:
«Eu sou romântico/ Em toda a minha vida fui romântico/ Em cada despedida fui romântico/ E ainda sou».
Para veres que o amor sempre habitou no meu coração, outras das canções que adorava ouvir, também do Tony de Matos, era a canção “Cartas de Amor”:
«Cartas de amor/ Quem as não tem/ Cartas de amor/ Pedaços de dor/ Sentidas de alguém/ Cartas de amor/ andorinhas/ Que num vai e vem, levam bem/ Saudades minhas/ Cartas de amor/ quem as não tem».
No que diz respeito a filmes românticos sei que gostas muito do “Casablanca” e de “E Tudo o Vento Levou”
Eu gosto dos filmes “As Pontes de Madison County”; “Titanic”; “Molin Rouge”…
Podia partilhar contigo livros românticos que li… Dizer-te que já perdi a conta à quantidade de vezes que já fui a Paris e Florença, duas cidades muito românticas. Que fui muito feliz em Verona. E como gosto de ser diferente dos outros, para mim, Veneza fica longe de ser uma cidade romântica. E nunca mandei moedas, nem beijei ninguém junto à Fontana di Trevi, em Roma.
Diz lá que não sou um “Coração de Manteiga”?
Bjs
Querido neto,
Isso é que é romantismo! Para celebrar o Dia dos Namorados, como sabes, fui ao médico. A sala de espera de um consultório é aquele estranho lugar onde geralmente ficamos em dia com as desgraças, amores e desamores de gente certamente muito importante porque as suas fotografias enchem páginas e páginas das revistas, mas de quem nunca ouvimos falar.
Às vezes, no final, reparo que aquelas revistas já têm mais de um ou dois anos, mas isso que importa, o tom de irrealidade é o mesmo, e o que é preciso é que a gente fique mais calma para enfrentar o que nos espera quando a empregada abrir a porta e chamar pelo nosso nome.
O rapaz tinha sido chamado antes de mim e confesso que nem tinha reparado nele. Mas ali estava ele de novo, agora com um ar muito preocupado, a perguntar se alguém tinha visto a carteira, só podia estar ali, ele lembrava-se até de a ter aberto, por isso tinha de estar ali.
Mas ninguém tinha visto a carteira.
Ao balcão, um homem apressava-se a pagar a conta, abanou a cabeça, também não a tinha visto, e saiu.
Na sala, levantámo-nos todos, revirámos almofadas dos sofás, olhámos por todos os cantos, e nem rasto.
O rapaz garantia que só podia estar ali, o que nos tornava a todos suspeitos.
«Devo tê-la deixado cair aqui», repetia ele, aflito, a carteira tinha, segundo afirmava, os cartões todos e muito dinheiro, «e agora?».
É então que a porta da rua se abre e regressa o outro homem, o que acabara de pagar a conta ao balcão.
Tem uma carteira na mão e, com maus modos, estende-lha:
– Tome lá.
O rapaz olha e nem pergunta nada, pegou na carteira e correu escada abaixo.
O outro encolheu outra vez os ombros, olhou para nós todos como se tivesse feito uma coisa absolutamente normal, e murmurou:
O meu mal é ter um coração de manteiga!
Abriu a porta e saiu.
E a empregada até trocou o nome do doente seguinte.
Bjs