por Octávio Rebelo da Costa
A distinção entre esquerda e direita tem sido uma das principais referências na ciência política para entender as posições políticas dos indivíduos e partidos políticos. Mas porquê esta dicotomia?
Esta distinção tem origem na Revolução Francesa de 1789, onde os deputados que defendiam a igualdade e os direitos dos cidadãos sentavam-se à esquerda do presidente, enquanto os que defendiam a monarquia e os privilégios da nobreza sentavam-se à direita. Desde então, a distinção tem sido utilizada para caracterizar a posição política dos indivíduos e partidos. Continua a existir interesse teórico na definição de esquerda e direita como elemento de medição entre ideologias e os conceitos continuam a ser utilizados na linguagem política do debate, luta e exercício do poder.
No entanto, é importante destacar que a distinção entre esquerda e direita não é universal e pode variar de acordo com o contexto histórico e político. Como refere Bobbio, "a esquerda e a direita são conceitos relativos, que dependem do contexto histórico, da cultura e das circunstâncias políticas de cada época e lugar".
Já no início do século XX a linha era confusa, lembrando que o fascismo (dito extrema-direita) fora criado por socialistas adeptos do movimento futurista que rejeitava o moralismo e o passado “conservador”.
Após a queda do muro de Berlim, os partidos de "direita" e "esquerda" sofreram muitas mutações conceptuais, provando que esta separação não era nem imóvel, nem tampouco absoluta. O que era bastante claro num mundo polarizado passou a ficar difuso após a queda do muro e do fim da União Soviética. Houve “esquerda” que migrou para concepções mais democráticas e progressistas, enquanto alguma “direita” começou a ser identificada como pessoas mais reacionárias. A verdade é que os rótulos "direita/esquerda" já são muito limitados para definir a diversidade política do século XXI.
E Salazar? O facto de Salazar ter sido um autocrata, foi um acidente da História que resultou do caos político e económico do Portugal da I república.
Ou seja: para se ser de direita não é necessário ser um ditador: ser um ditador é independente do facto de se ser de Direita ou de Esquerda. Em geral, um indivíduo de direita defende um Estado fraco, mas com um governo forte. Porém, e de facto, Salazar foi protagonista político de um Estado forte e burocrático.
E hoje? Putin, é um ditador de direita musculada e conservadora, ou um fervoroso progressista de esquerda? A Rússia apoia tanto a esquerda bolivariana na América Latina, quanto a direita radical europeia, como a extrema-direita francesa.
Ou seja, a distinção entre esquerda e direita é uma construção social, subjetiva. Só existe esta dicotomia, virtualmente, se existir o seu oposto em justaposição. Sempre que ouvimos falar em esquerda ou direita, é alguém de esquerda ou direita que faz esta distinção, naturalmente, tudo o que é mau, está do lado oposto. Como explicar um dos lados sem o outro?
Além disso, a distinção entre esquerda e direita pode ser redutora na análise das ideologias políticas. Como refere Gomes Canotilho, "o simples facto de colocar as ideologias em esquemas binários como esquerda-direita pode levar a uma simplificação excessiva que desvirtua a complexidade do pensamento político".
De facto, a análise política não pode ser reduzida a uma dicotomia tão simples. Existem ideologias políticas que não se encaixam facilmente na divisão entre esquerda e direita. Na verdade, parece que elas só se encaixam, se assim forem etiquetadas, e se isso fizer então parte da sua cartilha ideológica por defeito.
Ademais, é comum os partidos políticos mudarem de posicionamento ao longo do tempo e em diferentes contextos políticos. Por exemplo, um partido político de esquerda pode ser a favor do livre mercado em determinados contextos, enquanto um partido político de direita pode ser a favor do Estado social em outros contextos. Os partidos políticos não são entidades monolíticas, mas sim coalizões de indivíduos com diferentes visões e interesses, que podem mudar de posição ao longo do tempo.
Por isso, é importante ter em mente que a análise política deve ser feita de forma contextualizada e com uma compreensão mais ampla das ideologias políticas, para além da simples distinção entre esquerda e direita, que tem sido feita como se de um clube se tratassem, ou, na verdade, entre o bem e o mal.
Em vez de partir pelo fim, pela dicotomia e polarização consequentes, a análise política deve considerar a complexidade das ideologias políticas e a dinâmica dos partidos políticos ao longo do tempo, para entender as posições políticas e as ações dos indivíduos e dos partidos.
Em Portugal a dicotomia entre esquerda e direita ainda é amplamente utilizada na análise política. Esta distinção tem as suas raízes na história política do país, que foi marcada por divisões ideológicas profundas entre os partidos políticos e as elites políticas.
Desde a Revolução dos Cravos em 1974, que derrubou o regime autoritário de Marcelo Caetano e iniciou um processo de democratização em Portugal, a dicotomia entre esquerda e direita tem sido uma das principais referências na análise política do país. Os partidos políticos e as elites políticas portuguesas são geralmente classificados em termos de esquerda ou direita, não só com base nas suas posições políticas e ideológicas, mas também pelo que dizem ser, arregimentando-se assim a um “clube” ou a um lado, em detrimento do utilitarismo e pragmatismo a que a política obriga.
O povo é sereno, mas fica de parte na discussão. Pouco importa a matéria discutida em qualquer assembleia, se é proposta pelo lado oposto da barricada, é para chumbar.
Isto é uma sobeja patetice, se o PCP propuser algo positivo para todos, a direita deve aprovar. O mesmo se aplica a uma qualquer proposta do Chega, se é de “extremos” nesta putativa polarização que queremos referir.
Não obstante, nas últimas décadas, vários movimentos políticos têm assumido uma narrativa em que tentam colocar-se à margem desta distinção. Liberais, ambientalistas, etc. Embora uma leitura mais atenta dos seus programas permita, geralmente, colocá-los mais de um lado ou de outro do espectro político do hemiciclo. No entanto, como já foi mencionado anteriormente, a distinção entre esquerda e direita é uma construção social e histórica, e pode variar conforme o contexto político e cultural. Portanto, é importante contextualizar a dicotomia entre esquerda e direita em Portugal e entender que ela não é uma verdade absoluta como os partidos que nessas caixinhas se inserem, o fazem transparecer. Nem que esta guerra seja política, porque não o é. Os anti qualquer coisa, nunca são pelo eleitor. Apenas arrebanham dores do eleitor, para manter o assento. Política para dentro, é o que é, desonrosa.
É importante estudar, perceber e aprofundar as clivagens e diferenças ideológicas, mas nem sempre precisam elas de colidir, nem de ser contrárias. A política, a cidadania e o exercício do poder não devem ser simplificados a duas dimensões, nem tampouco devem estas ser consideradas absolutas em momento algum. Ser de direita não é ser anti esquerda, nem o seu vice-versa. Num cenário utópico, a política serve as pessoas, e as causas são as necessidades, receios e objetivos de todos. A cor, o clube, o ódio e a polarização não são uma causa válida, e minam a política de despropósito.