Figura central do romantismo norte-americano, Edgar Allan Poe (1809-1849) foi o grande mestre da literatura do terror e do macabro. A sua extraordinária habilidade para contar pequenas histórias de grande impacto psicológico – explorando sentimentos, sensações e transtornos da mente, como a culpa, o medo, a obsessão, o delírio e a paranoia -, ficou patente em contos como O Poço e o Pêndulo, O Coração Revelador, A Queda da Casa de Usher, e, sobretudo, no poema O Corvo (que Fernando Pessoa traduziu para português). Criador da literatura policial (Os Crimes da Rua Morgue), impulsionou também a ficção científica (A Aventura Sem Paralelo de Um Tal Hans Pfaall). Primeiro autor dos EUA a viver da escrita – com enormes dificuldades – teve uma vida atribulada e curta. A causa da sua morte ainda hoje é um mistério (complicações do alcoolismo?). Entre outros, influenciou autores como Baudelaire, Dostoievski, Kafka, Stevenson, Verne, Conan Doyle, Mann e Borges. Curiosamente, assinou uma obra de teor científico, O Primeiro Livro do Conquiologista, Um Sistema de Malacologia…, um manual sobre conchas e moluscos marinhos publicado em Filadélfia em 1839.
Quando, um ano antes, chegara àquela cidade com a esposa (uma prima sua, ainda adolescente) e a sogra, encontrava-se literalmente sem dinheiro. Valeu-lhes a generosidade de um amigo, James Pedder, que trabalhava numa refinaria de açúcar e lhes oferecia pão e melaço. Foi através de Pedder que Thomas Wyatt, um professor de Delaware, chegou ao contacto de Poe. Wyatt publicara um livro sobre conquiologia e malacologia, na linha do trabalho dos franceses Lamarck, em taxinomia de invertebrados, e Blainville, que distinguiu a conquiologia da malacologia e estabeleceu esta última como a área dedicada ao estudo dos moluscos.
Pela informação que as conchas fornecem acerca dos estratos geológicos em que são encontradas, a conquiologia e a malacologia estão intimamente ligadas à geologia, ciência que, por razões intelectuais e económicas (a crescente importância industrial do carvão), despertava então um grande interesse. O poeta e naturalista inglês Erasmus Darwin, avô paterno de Charles Darwin, não fizera a coisa por menos e tomara a frase E Conchis Omnia (’Tudo das Conchas’) para divisa do brasão de família. O grande entusiasmo pela História Natural era transversal às diferentes classes sociais, levando a um interesse renovado pelas coleções de objetos naturais. A exemplo da bem conhecida inglesa Mary Anning (1799-1847), coletores e colecionadores vasculhavam praias e arribas à procura de conchas e fósseis. Paleontóloga autodidata de origem modesta, Anning foi uma exímia coletora de fósseis de vertebrados, que vendia a naturalistas. Os seus achados deram uma contribuição incontornável, nem sempre reconhecida, às investigações de membros de prestigiadas sociedades científicas.
O livro de Wyatt era, pois, fruto do tempo; o único problema era ser caro ($8). Como divulgador de ciência, o seu autor desejava que estivesse disponível numa versão popular. A solução passava por uma nova edição, mais ligeira, assinada por outrem (para não enfurecer a poderosa Harper & Brothers, que o publicara e que veria as vendas baixarem). Foi aí que Poe entrou em cena. Desesperado com a penúria e esmagado pelo fracasso d’A Narrativa de Arthur Gordon Pym (1838), que seria o seu único romance, aceitou reescrever o manual. Fluente em francês, não teve dificuldade em digerir as obras fundamentais sobre o tema. Resultou um pequeno livro ilustrado, ao custo de $1,75. A primeira edição esgotou, seguindo-se-lhe outra no ano seguinte e uma terceira em 1845. Nenhum outro livro de Poe vendeu tanto enquanto foi vivo. Não escapou, porém, à acusação de plágio (assim como Wyatt, pois algumas partes tinham sido copiadas do naturalista britânico Thomas Brown). Ironicamente, o autor de O Corvo acusou do mesmo crime vários contemporâneos seus. Indultá-lo-ia, muito mais tarde, a célebre observação do dramaturgo Wilson Mizner: «Se copiarmos um autor, é plágio; se copiarmos muitos, é pesquisa».
Nota final: Em 2010, a Royal Society considerou Mary Anning uma das dez mulheres britânicas que mais influenciaram a história da ciência.