Estamos habituados a ouvir falar dele por já ser habitual encontrá-lo em Londres ou Nova Iorque. Uns fascinam-se, outros assustam-se, alguns nem chegam a experimentar por receio do desconhecido. Mas agora, em Lisboa, já é possível descobrir a singularidade e magia do teatro imersivo. Intimidante? Intimista? Uma cápsula do tempo? Um sonho?
‘A Morte do Corvo’ estreou em janeiro no antigo Hospital Militar da Estrela, em Lisboa, onde cada visitante decide que personagem/ caminho seguir. "Bem-vindos a Nevermore. Hoje, vão ser testemunhas de um funeral anunciado", uma voz grave espalha-se nas salas de velório para onde são encaminhados os espectadores ao chegar, convidados depois a colocar uma máscara preta nos olhos – uma forma de reconhecer quem faz parte do público e quem são as personagens – e a escolherem que personagem seguir.
O espetáculo, onde não existe distância entre os atores e os visitantes do espaço, conta com criação e direção artística de Nuno Moreira, responsável pelo espetáculo imersivo que ocupou em 2015, dois andares do pavilhão 30 do hospital Júlio de Matos, ‘E Morreram Felizes para Sempre’, e encenação de Ana Padrão.
Durante 100 minutos, os atores não falam, apenas se movem pelo pelos três andares do edifício numa coreografia ensaiada. Entram nas divisões, saem das divisões, deambulam ou correm nos corredores, cruzam-se no bar, interagem. Ao fim de 45 minutos, os sinos tocam e a peça repete-se, levando os visitantes a seguir um caminho ou personagem diferente.
Mas que história nos contam? Quem vemos a deambular nos corredores? A escrever no escritório? A pentear-se ao espelho? Que pessoas são estas? Para onde vão e o que vai acontecer a seguir? Morte, vida e ascensão: é desta forma que podemos olhar para os pisos do Hospital Militar da Estrela, viajando até ao ano de 1924, a funerária Nevermore.
‘A Morte do Corvo’ ressuscita Edgar Allan Poe que morreu em 1849, e é uma ficção à volta duma relação tensa, ciumenta, entre o poeta americano com Fernando Pessoa, e a orquestração da sua morte. É essa a trama principal, mas há ainda vários acontecimentos secundários a decorrer em simultâneo.
“Pessoa convida o seu grande amigo Mário para o ritual de iniciação à Ordem dos Corvos, uma sociedade que procura o segredo da vida para além da morte. A Ordem, liderada por Edgar Allan Poe, esconde-se no andar de cima da funerária Nevermore. Vários acontecimentos vão precipitar Pessoa num ciclo depressivo que terminará da pior forma. A rejeição da sua mulher Ofélia será o primeiro.O segundo, o suicídio de Mário. E o derradeiro… um profundo descrédito em si próprio. Tudo isto orquestrado por Poe, movido por uma incontrolável inveja da genialidade de Pessoa”, lê-se na sinopse.
‘A Morte do Corvo’ conta com 14 atores que interpretam cada um dois papéis diferentes (o elenco varia consoante um sistema de rotação para as nove personagens).
Os corredores são escuros, quem os vê, olhando para a direita e para esquerda – enquanto pensa que caminho escolher – observa as luzes quentes e amarelas que saem das divisões, que surpreendem pela realidade cénica. Os cheiros, a temperatura, a música, as cores… Os espectadores podem mexer, explorar os cenários, atentar aos pormenores escondidos.
‘A Morte do Corvo’ é, também por isso, uma experiência de mistério, onde os atores não param de surpreender durante os 100 minutos em que atuam.
Por exemplo, a dada altura, no primeiro piso, só alguns membros do público são escolhidos por Hélène, amante de Mário de Sá Carneiro, para ir ao terceiro andar, o Opiário, não sendo revelado o que naquele piso se passa.
No final trágico do espetáculo, no bar dos anos 20, onde as personagens se encontram, transforma-se num verdadeiro bar, onde é oferecida aos espectadores, uma cerveja, para que num momento de convívio, conversem sobre o que acabaram de experienciar.
FICHA TÉCNICA
Elenco: Bruno Rodrigues, Celso Pedro, Ema Fonseca, Emanuel Arada, Gabriel Delfino Marques, Henrique Gomes, Leonardo Dias, Lia Goulart, Mariana Fonseca, Patrícia Borralho, Pedro Nuno, Rebeca Cunha, Sérgio Diogo Matias e Soraia Sousa.
Ideia e Direção Artística: Nuno Moreira
Encenação: Ana Padrão
Direção Coreográfica: Bruno Rodrigues
Espaço Cénico: Rui Francisco e Susana Fonseca
Desenho de Luz: João Cachulo
Criação Musical: Jorge Queijo
Sistema de Som: João Maya
Design de Figurinos: Miss Suzie
Maquilhagem: Ana Lorena
Cabelos: Ana Ferreira