Querida avó,
Escrevo-te a carta de hoje junto às margens do Rio Douro. Havia tanto para descrever sobre o cenário deslumbrante onde me encontro! No entanto, prefiro partilhar contigo o que me fez vir ao Porto, onde fiquei 5 dias.
Nada mais, nada menos, do que a inauguração da Exposição “Retratos Contados de Ruy de Carvalho” que foi inaugurada no Coliseu Porto Ageas, no dia 1 de março. Dia em que o “avô de todos os portugueses” deu início aos seus 96 anos de vida.
Incrível a resistência deste homem que frequentemente diz: «Por dentro sinto-me com 18 anos. A idade que me permite ir para todo o lado».
Efetivamente vai para todo o lado! Com 96 anos viaja do Minho ao Algarve como quem vai de Oeiras a Lisboa.
Recentemente fizemos cerca de 1000km apenas num fim de semana.
Fomos inaugurar a Exposição ao Forum Altice Braga num dia, e outra no Theatro Club, na Póvoa de Lanhoso, no dia seguinte. Com tertúlias sobre a sua vida e obra e envelhecimento ativo em ambos os locais. Sempre com um sorriso na cara, disponível para autógrafos, fotos e muito mais.
Quando o fui levar a casa pergunta-me: «Amanhã vamos onde?».
Respondo: «Não vamos a lado nenhum pois não tenho a sua idade. Preciso de descansar!».
Como se não bastasse, para além das exposições, também percorre o país com duas peças de teatro, em simultâneo: “A Ratoeira” de Agatha Christie e “ Ruy a História Devida”, ambas da produtora Yellow Star Company.
No dia em que celebrou 96 anos, começou o dia na RTP, à tarde esteve no Coliseu Porto Ageas a inaugurar a exposição, deu imensas entrevistas, depois foi para os ensaios da peça… À noite lá esteve no palco. Onde é feliz e rejuvenesce.
Quando saí do Coliseu, à 1 da manhã, ainda ele esta em palco a beijocar todos e a tirar fotos, imagina.
Nas margens do Rio Douro sentei-me e chorei a escrever-te esta carta.
Lágrimas de agradecimento por ter pessoas como tu e o Ruy na minha vida.
Parar é morrer!
Bjs
Querido neto,
Já falamos tantas vezes do “nosso” Ruy aqui no nosso “Diário”. Mas nunca serão de mais as palavras que podemos dedicar-lhe. Efetivamente “Parar é Morrer”! Um ditado português que lhe assenta que nem uma luva.
Sempre fui amiga de muitos actores.
O Ruy de Carvalho – que já vai em 96 anos, e ainda no activo, até costuma dizer «somos amigos de infância». Para logo acrescentar «da dela, claro». Eu era uma criança quando o conheci.
Ele frequentava o mesmo café que um tio meu – que também adorava teatro – e onde iam vários outros actores (Carlos Cunha, Artur Semedo, etc.), me levava sempre. Eles ficavam todos na conversa, o Ruy achou-me graça e começou a conversar comigo. E levava-me muito a sério!
Para além de ser um belíssimo ator, é muito boa pessoa.
Faz esses kms todos que referiste pois sente-se imensamente grato por tudo o que a vida e o público lhe deram ao longo de quase 81 anos de carreira. Ao longo de todos estes anos de amizade, nunca o vi, porém, deslumbrado, com o palmarés profissional, nem com os prémios com que tem sido agraciado, e são muitos, como tu sabes.
Quem ama a vida como o Ruy, é amado por ela. Quem ama os outros como ele ama, é por eles amado. A vida retribui aquilo que lhe damos.
A vida do Ruy não tem sido fácil! Mas ele é resiliente, e tem o dom de lutar contra as adversidades que vão surgindo.
Vou aceitar que o Cartão de Cidadão do Ruy tenha gravado 96 anos…
Lembro-me sempre de uma coisa que ele me dizia: «Se me vires fazer alguma coisa mal, diz-me logo!».
E pronto: ficou uma amizade (com ele e a família dele) para toda a vida.
E de repente lembro-me da Cármen Dolores que trabalhou com o Ruy. Nada melhor para rematar esta carta do que a recordar. No esplendor dos seus 96 anos, a exclamar numa entrevista que ouvi na rádio: «Oh meu Deus, as coisas que eu fazia se tivesse 80 anos!».
Por falar nisso, faltam 10 dias para eu completar 80 anos.
Bjs