Duas amigas entram num café de jogos de tabuleiro em Copenhaga, na Dinamarca. Corria o ano de 2018. «O ‘Bastard Café’ é um edifício enorme, com quatro andares. Tem um jardim e está repleto de estantes de jogos de tabuleiros. Mesas atrás de mesas. No andar de cima também tem jogos digitais», conta à LUZ Carolina Dias, de 30 anos, fundadora da Quebra-Dados, uma associação de jogos de tabuleiro situada no Porto. Começou a ganhar gosto por este hobby há cerca de sete anos. «Apaixonei-me», diz. «Tornei-me numa jogadora muito regular». Mas em Portugal sabia a pouco. «Podemos ficar tristes ou podemos fazer alguma coisa», explicou. Carolina Dias e Sara Gonçalves – com a ajuda de outras pessoas – criaram a Quebra-Dados, em 2020, situada na zona da estação de metro Carolina Michaelis, no Porto, com dois andares. «Pintámos as paredes, construímos um balcão, uma cozinha. Foi muito trabalho. Foi do nosso bolso e imensas pessoas colaboraram. Até temos cortiça nas paredes para diminuir o eco», conta uma das fundadora.
Casa cheia de jogos e pessoas
A Quebra-Dados abriu portas no dia 29 de fevereiro de 2020, mas não tardou a fechar devido à pandemia. «Foi uma altura complicada porque a renda do espaço era paga através do consumo das pessoas. Aguentámos o primeiro confinamento com o dinheiro do nosso próprio bolso», revela Carolina Dias. Apesar disso, a Quebra-Dados foi crescendo. No total são 564 jogos de tabuleiro disponíveis na associação: cerca de 200 são da propriedade da Quebra-Dados e os restantes são emprestados por outros grupos ou pessoas individuais para que os visitantes possam experimentar. Há quem pense que os jogos de tabuleiro são coisa do passado, mas a adesão vai em contrarregra. «Nunca tivemos o espaço vazio, pelo contrário. Quatro dos cinco dias da semana estamos cheios, com cerca de 35 a 40 pessoas por dia», afirma Carolina Dias. E para que não haja uma surpresa desagradável ao chegar ao local, é pedido às pessoas que façam marcação com, pelo menos, um dia de antecedência.
A Quebra-Dados cobra 1 euro por dia para quem quiser frequentar o espaço, não sendo obrigatório consumir. Ou então 10 euros por ano, o que poderá compensar em alguns casos.
A pandemia casou «necessidade de fugir ao digital», defende Carolina. «Os jogos já estavam a crescer em popularidade antes da pandemia. Nos anos 2015/2016, a imprensa internacional dava conta de que este mercado estava a voltar. Em Portugal não se notava. Mas as pessoas estavam fartas de estar em frente ao computador». Os participantes são de todas as idades. Os mais novos – que nasceram na era digital – também frequentam o espaço. «É fantástico. Dizem aos pais que adoraram a experiência. É diferente do que estão habituados. Mas o ser humano será sempre uma criatura social», aponta.
Machismo e sexismo
Há muitos mais homens a jogar do que mulheres. «Há mulheres que me contaram que quando iam com o namorado, achavam que iam de arrasto e que ele é que era o jogador. Ou homens que recusaram ouvir a explicação das regras de um jogo, porque era dada por uma mulher. Achavam que explicava mal. Para não falar dos comentários sexistas do costume», refere Carolina. Na Quebra-Dados, até onde apurou a fundadora, comentários sexistas não existem. «Se aconteceu, podem não ter reportado. Percebo, porque muitas vezes ouvia certas coisas e também não dizia aos organizadores. Não me queria chatear. Percebo o sentimento. Como sou mulher, faço parte da direção e estou presente quase todos os dias, as pessoas entendem que é um espaço seguro, onde o machismo e o sexismo não serão bem vindos».
A casa de banho da associação é unissexo e contém uma gaveta com tampões e pensos. «Recebi uma mensagem – em anónimo – que dizia que devido a essa gaveta, foi a primeira vez que a pessoa se sentiu incluída num espaço de jogos», partilhou Carolina Dias. «A missão da Quebra-Dados está a resultar», rematou.