Por João Sena
As eleições de domingo no Cazaquistão são únicas em alguns aspetos, e realizam-se quatro anos antes da data prevista. Pode dizer-se que é o primeiro ato eleitoral verdadeiramente livre e justo, na medida em que a antiga república soviética não tem um passado tão democrático como outros países. Tornou-se independente em 1991, mas ficou debaixo de um regime fortemente presidencialista, com o anterior chefe de Estado, Nursultan Nazarbayev, a exercer o poder de forma autoritária durante mais de 30 anos. Outra particularidade é a possibilidade de os cazaques fazerem um voto de protesto assinalando no boletim a opção ‘contra todos’. A nova lei eleitoral exige também que os partidos integrem pelo menos 30% de mulheres, de jovens até aos 29 anos ou pessoas com deficiência nas suas listas, no que é visto como uma abertura à sociedade civil.
As eleições antecipadas para a câmara baixa, designada por Majilis, e para os órgãos representativos locais, os Maslikhats, são um desejo do atual Presidente, Kassym-Jomart Tokayev, que pretende uma democratização gradual e transformações socioeconómicas no país depois das manifestações violentas de janeiro do ano passado.
Na anterior legislatura estavam representados três partidos: o Nur Otan (atual Amanat), que venceu com larga maioria (71%) e fez governo, o Partido Democrático Ak Jol (10,9%), e o Partido Comunista do Cazaquistão (9,1%). O resultado das próximas legislativas pode mudar o panorama político do Cazaquistão, embora as sondagens apontem para a vitória do partido do governo, o Amanat, embora menos expressiva do que há dois anos. A questão que se coloca é saber se o partido nacionalista e conservador que governa o país desde 2007 está disposto a fazer reformas políticas que permitam construir uma sociedade mais democrática e acelerar o desenvolvimento e modernização do país, indo ao encontro da vontade do presidente Tokayev e da maioria dos cazaques (77,1%) que, em junho de 2022, votaram em referendo nacional a mudança da Constituição.
Nas eleições de domingo vão participar sete forças partidárias num espetro político que vai do Partido Popular do Cazaquistão, de ideologia comunista, até ao Partido Nacional Social Democrata, que representa o eleitorado de centro-direita, passando pelo partido ecologista Baytaq e pelos liberais do Aq Jol. À medida que as eleições se aproximam, as sondagens apontam para a vitória do Amanat e para uma grande afluência de votantes (80%). Uma das entidades credenciadas pela Comissão Central Eleitoral dá a vitória ao Amanat com 59% dos votos, seguido pelo República com 15% e Aq Jol com 8,5%. Outro estudo dá o Amanat em primeiro lugar com 43,6% dos votos, seguido pelo Aq Jol com 11,3% e Auyl com 9,9%.
Do exemplo escandinavo ao banco agrícola
A campanha eleitoral subiu de tom nos últimos dias, com o representante do Amanat a afirmar que pretende colocar ordem no país, garantir a justiça social, acabar com a corrupção, lutar contra os magnatas e que tudo fará para recuperar o dinheiro retirado do país ilegalmente. O Partido Nacional Social Democrata passou a mensagem de que é necessário pôr fim a uma economia oligárquica. O seu dirigente criticou o facto de haver poucos a enriquecer e milhões a empobrecer. Enfatizou ainda a necessidade do aumento de pensões e dos salários, de emprego e a redução de juros em todos os empréstimos bancários. O representante do Partido Democrático Aq Jol defende a liberalização da economia, a restrição do envolvimento do governo e o apoio às empresas. Já o Partido Democrático Patriótico do Povo Auyl prometeu criar o primeiro banco agrícola e isentar os cidadãos que trabalham na agricultura dos impostos relativos aos empréstimos de modo a transformar o país numa potência industrial e agrária. O Partido Popular do Cazaquistão defende uma política socialista seguindo o exemplo escandinavo, onde cada cidadão recebe uma verba da exploração dos recursos naturais do país. A poucos dias da votação, o líder do partido propôs uma coligação pós-eleitoral com o partido ecologista Baytaq. Este participa pela primeira vez em eleições e acredita que nenhuma economia avança sem jovens saudáveis, inteligentes e educados com tolerância zero à corrupção.
O governo espera umas eleições abertas, transparentes e justas. A Comissão Central de Eleições acreditou 793 observadores de 41 países e 12 organizações internacionais que vão avaliar se as eleições respeitam as liberdades fundamentais e se há transparência.