Por Nuno Melo
Combater a corrupção e o crime organizado, em sociedades crescentemente tecnológicas e num mundo com paraísos fiscais e fronteiras soberanas, implica grande cooperação internacional e um corajoso investimento em meios técnicos e humanos na Justiça.
A este respeito, Portugal é um caso preocupante, que só pode preocupar as instituições europeias.
O que se tem de perguntar é: que razões podem levar um Governo a permitir a prescrição de crimes e a anulação de processos a beneficio de possíveis criminosos, em vez de legislar como lhe compete para o evitar e de atribuir à Justiça os meios necessários para apurar factos, julgar e punir os prevaricadores?
Em Portugal o Estado de Direito está a ser violado todos os dias, de forma incompreensível e inaceitável.
São inúmeros os processos relacionados com crimes graves que estão a ser anulados, porque a propósito da recolha de meios de prova com recurso a metadados, o Governo socialista, ao contrário do que sucedeu noutros países, se recusou a alterar uma lei que assentava na Diretiva 2006/24/CE, que o Tribunal de Justiça da UE julgara inválida e depois, como tantas vezes se antecipou, foi considerada inconstitucional.
Simultaneamente, são também muitos os processos que estão a ser objecto de recursos, porque a regulamentação de duas leis (55/2021, de 13 agosto e 56/2021, de 16 agosto) relacionadas com a distribuição electrónica de processos judiciais e o sorteio e nomeação de juízes, que teria de ser feita pelo governo num prazo de 30 dias, passados 1 ano e 7 meses continua na gaveta.
Para que se perceba o alcance das consequências, vai sendo notícia que a falha do Governo paralisa o julgamento do ex- primeiro-ministro socialista José Sócrates e há crimes que começam a prescrever em 2024.
Por seu lado, no que tem que ver com os metadados, sabe-se que há milhares de crimes que ficarão sem punição. Aliás, o diretor do Gabinete que coordena a actividade do Ministério Público na área da cibercriminalidade, avisa que já foram destruídos dezenas de casos de pornografia infantil, tanto durante a investigação, como na fase de julgamento e fica em causa a investigação de burlas ou bullying feitos através da internet.
Só num país totalmente anestesiado é que se poderá conviver com circunstâncias tão graves, que fragilizam a eficácia da Justiça e atentam contra obrigações internacionais, comuns a todos os países da União Europeia.
A justiça, por definição é cega. Não pode ser diferente em razão da riqueza e tem de ser imune a intromissões, por acção ou omissão, do poder político. Imagine-se, de resto, que o que sucede em Portugal, acontecia na Hungria ou na Polónia? Quantos debates não teriam sido pedidos no Parlamento Europeu e quantas sanções não teriam reclamado as esquerdas ?
Acontece que um Estado não é de Direito e democrático, consoante o alinhamento à direita, ou à esquerda dos governos. E é por isso mesmo que acabo de pedir a intervenção da Comissão Europeia, na defesa do Estado de Direito em Portugal.