Indignação e Ultraje

Não pode ser, já chega, há que dar um grito de revolta e acabar com esta situação em que parece que vivemos numa sociedade de castas (superior a administração pública, inferior a privada e por fim a “mais do que inferior ralé” o sector social) em vez de um País supostamente democrático e igualitário.

José Bourdain
Presidente da Associação Nacional dos Cuidados Continuados

Hoje, quinta-feira 24/03/2023, o Governo decretou e anunciou mais 1% de aumentos salariais para os funcionários públicos ao que se soma um aumento no subsídio de refeição. Então e medidas para aumentar os salários de quem trabalha no sector social? NADA! É que para aumentos de salários e funcionamento das organizações, estamos igualmente dependentes das decisões do Governo. É ultrajante, estou indignado, diria mesmo que me sinto revoltado.

As estatísticas demonstram que no sector público a média salarial é largamente superior à do sector privado. Têm mais regalias, trabalham menos horas, foram protegidos durante o período da Troika (em que o sector privado sofreu imenso), foram protegidos e beneficiados nos 2 anos de pandemia. E é precisamente o sector que menos trabalha, que é mais ineficaz, mais ineficiente e que, na minha opinião, são o entrave ao crescimento económico do País, pois quase tudo funciona mal e tardiamente, bloqueando a actividade económica em geral, sobretudo a privada (precisamente aqueles que mais trabalham e pagam impostos, os quais depois vão sustentar a máquina pública). No geral é isto. E para não ser injusto, há ainda, felizmente, alguns sectores (mas poucos, infelizmente) da administração pública que funcionam bem e há muitos funcionários públicos competentes e que se esforçam, embora no global seja mau como acabei de descrever.

Isto é, para a função pública tudo, para o sector privado, sobretudo sem fins lucrativos, nada. Que trabalhem e paguem impostos e tenham respeitinho pelo poder político actual, e sustentem a máquina pública.

Não pode ser, já chega, há que dar um grito de revolta e acabar com esta situação em que parece que vivemos numa sociedade de castas (superior a administração pública, inferior a privada e por fim a “mais do que inferior ralé” o sector social) em vez de um País supostamente democrático e igualitário.

Em janeiro um técnico superior da administração pública teve um aumento mínimo de 104€. No sector social em geral (na esfera da Segurança Social e da educação mas também na saúde em diversas áreas, sobretudo dos cuidados continuados) oscilou entre não existiram aumentos ou os aumentos foram simplesmente ridículos, pois as verbas com que o Governo aumentou o sector serviram apenas para cobrir os custos com aumentos do salário mínimo e pouco mais. Há que dizer que há pessoas sem aumento salarial há 10 anos. É demasiado mau. E tudo pela austeridade imposta por este Governo ao terceiro sector. No caso dos cuidados continuados nem sequer houve aumentos (e neste sector, tal como nas parcerias público privadas rodoviárias, está estipulado que devem ter aumentos em janeiro com base na inflação do ano anterior. Para as PPP Rodoviárias aumento igual à inflação, para os cuidados continuados nenhum aumento).

Acresce que, e para ilustrar ainda mais as injustiças, a administração pública passa o tempo em greves sucessivas que muito prejudicam os cidadãos em geral. Dou como exemplo recente as greves nas escolas. O que pensarão os funcionários dos ATL (sector social), que motivações terão quando vêm que ganham salários miseráveis (lá está por culpa do Governo), que têm de ter muito mais trabalho cada vez que há greves nas escolas, uma vez que não tendo aulas muitos alunos ficam nestes ATL o dia inteiro para os pais poderem trabalhar? E isto para os pais que podem pagar um ATL, pois há quem não possa e se veja privado de poder trabalhar e assim sustentar a sua família e pagar as contas (que são cada vez mais elevadas). É assim a “justiça e igualdade” neste País.

Importa ainda dizer que no sector social, quem lá trabalha presta igualmente um serviço público. E que tal como na administração pública, é o governo que decide os aumentos de salários (no caso do sector social não decide directamente, mas na prática é por influência directa, isto porque o Governo é que decide 99% das receitas das chamadas IPSS – nas verbas que lhes dá directamente pela prestação de serviços, mas também nas verbas que as famílias e utentes pagam). Ou seja, o sector social está 99% dependente das decisões do governo em termos de orçamento e, como referi, não tem os mesmos meios financeiros que a administração pública.

Quem trabalha no sector social e quem nele exerce funções de gestão, tem de fazer algo para acabar com esta enorme e grave injustiça. Infelizmente quem representa este sector (assunto que já abordei por diversas vezes) é conivente com a estratégia do Governo (e a bem da verdade se diga, que se representam mal o sector, a culpa é do sector, naturalmente, que os elege) e nada faz para alterar este paradigma. E como o Governo infelizmente é forte com os fracos e com quem não tem voz (que é o caso), se calhar temos todos de parar estas Organizações (dentro do possível, claro), através de greves e manifestações pois talvez assim a sociedade e o Governo percebam a importância vital que o sector social tem para o funcionamento da sociedade. É que infelizmente com este governo, só mostrando igualmente força se consegue alguma coisa.

Triste País este, triste (péssima) gente esta que nos governa e que nos conduz rapidamente para que sejamos a Venezuela da Europa, tudo apenas e só para se manterem no poder. No dia em que o País se tornar rico e as pessoas viverem bem, acaba-se o socialismo.