Por João Sena, enviado ao Cazaquistão
Mais de 6,3 milhões de cazaques elegeram os 98 deputados da câmara baixa, a quem compete aprovar as leis, no ato eleitoral mais participativo de sempre, que deu a vitória ao Amanat, com 53,9% dos votos. Estas eleições foram cruciais para o futuro do país e colocaram ponto final no período de agitação social, que teve um momento crítico em janeiro do ano passado. O Cazaquistão pode agora iniciar a transformação do seu modelo político com vista a uma sociedade mais justa e democrática. Dos partidos políticos ao cidadão comum todos pensam na modernização do país.
As reformas introduzidas pelo Presidente da República, Kassym-Jomart Tokayev, criaram um sistema multipartidário com sete forças partidárias, pelo que vai ser um parlamento mais competitivo, dinâmico e agressivo na luta política. A maior pluralidade ajuda à aceitação dos resultados junto da população, mas também a nível internacional. Vai ser também um parlamento mais diversificado e jovem, já que os partidos foram obrigados por lei a incorporar nas suas listas, pelo menos, 30 por cento de mulheres e jovens.
Partido dominante
Os primeiros resultados oficiais divulgados na noite de domingo apontavam para a vitória esmagadora do partido nacionalista e conservador de Erlan Kosanov. Depois de concluído o longo processo de apuramento de resultados, o Amanat confirmou a vitória, com mais de 3,4 milhões de votos (53,9%) e 62 deputados eleitos diretamente em listas do partido e em círculos eleitorais de assento único (regiões). O discurso de uma maior justiça social, eliminação da corrupção, luta contra a oligarquia e renascimento do setor agroindustrial convenceu os eleitores. «É uma grande responsabilidade. Faremos os possíveis para justificar a confiança dos nossos eleitores. O país está a entrar numa nova fase de desenvolvimento, e o Amanat deve assegurar a implementação das reformas iniciadas pelo presidente», afirmou o presidente do partido, Erlan Kosanov. A vitória do Amanat foi menos expressiva do que a de 2021. Perdeu cerca de 1,7 milhões de votos, o que se deve ao aparecimento de novos partidos e a uma elevada abstenção (53,2%), sobretudo nas grandes cidades como Astana e Almaty, onde o partido sempre teve grande apoio.
O Partido Democrático Patriótico Auyl, de cariz social-democrata, tornou-se a segunda força política com 693 mil votos (10,9%) e elegeu oito deputados. O Auyl sempre teve forte implantação fora dos grandes centros e apoiou os interesses agrários. A promessa de criar o primeiro banco agrícola e isentar os cidadãos que trabalham na agricultura dos impostos relativos aos empréstimos trouxe dividendos nas urnas. «As eleições foram a continuidade legal das reformas constitucionais iniciadas pelo presidente. Os cazaques fizeram a sua escolha e o partido está pronto a cumprir as promessas feitas na campanha para elevar os padrões de vida das pessoas e o seu bem-estar», podia ler-se num comunicado do Auyl.
Fundado em janeiro deste ano por empresários e figuras públicas do Cazaquistão, o Respublica foi a terceira força mais votada, com mais de 547 mil eleitores (8,5%) e seis deputados eleitos. O discurso virado para os jovens das aldeias e vilas, a promessa de salários decentes para os desencorajar a emigrar e a intenção de reformar o programa de desenvolvimento agrícola tiveram grande aceitação fora dos grandes centros. O presidente Aidarbek Kozhnazarov sublinhou: «Este resultado foi conseguido depois dos membros do partido terem viajado pelo país e falado com as pessoas defendendo uma maior qualidade de vida. A nova constituição do Majilis dará novo impulso ao desenvolvimento do Cazaquistão».
A surpreendente votação nestes dois partidos (apenas uma sondagem andou perto do resultado final) revelou que a geração jovem – 40% da população da antiga república soviética tem menos de 25 anos – quis mudanças e escolheu alternativas aos partidos tradicionais. Curioso verificar que, numa altura em que o Cazaquistão quer avançar para a modernização, foi o meio rural, e a possibilidade de transformar o país numa potência agrária, que rendeu muitos votos.
Centro-direita e comunistas em queda
Mas nem todos podem reclamar vitória. O Partido Democrático Aq Jol, de centro-direita, teve mais de 535 mil votos (8,4%), mas viu o grupo parlamentar reduzido a seis deputados, quando antes tinha 12. A mensagem de uma sociedade mais liberal e com menos Estado perdeu força.
Não é só na Europa ocidental que os partidos comunistas estão em erosão. O Partido Comunista do Cazaquistão perdeu mais de 220 mil eleitores e passou a ser a quinta força política (6,8%) com cinco deputados eleitos – no anterior parlamento tinha dez. O discurso forte e de combate aos oligarcas feito pelo líder do Partido Nacional Social Democrata, de centro-esquerda, obteve 331 mil votos (5,2%) e elegeu quatro deputados. O partido tinha boicotado as eleições de 2021 por considerar que não eram democráticas. O boletim de voto tinha a particularidade de permitir votar ‘contra todos’, e mais de 248 mil eleitores (3,9%) fizeram um voto de rejeição ou protesto. Essa opção teve mais votos do que o novo partido ecologista Baytaq, que reuniu 146 mil votos (2,3%) e não elegeu qualquer deputado.
O chefe de Estado já fez saber que vai apresentar uma série de iniciativas ao partido vencedor, e lembrou que a principal tarefa do governo, bem como das autoridades regionais e municipais, é realizar reformas que melhorem a qualidade de vida da população cazaque.
A adesão popular a este ato eleitoral foi, no entanto, algo tímida: votaram menos 1,2 milhões de eleitores do que em 2021. O facto de haver um partido dominante pode ter desmobilizado grande parte do eleitorado num dia de frio glaciar e queda de neve. Quem votou espera tempos de mudança, como nos disse um jovem estudante de medicina, de 24 anos: «A situação atual é má, o colapso do país é evidente. É importante participar e votar em candidatos dignos. Agora temos a possibilidade de escolher o melhor e de mudar os representantes do governo. As eleições vão ser o ponto de partida para um futuro brilhante para todos. Estou muito feliz com as eleições, acredito que o Cazaquistão vai ser um país mais justo, isso pode ser bom para mim, espero que seja mais fácil ter acesso a uma casa».
De uma geração diferente, mas com um discurso semelhante, um cidadão de 63 anos confidenciou: «Sempre votei. É uma responsabilidade que tenho para com o país e para com o desenvolvimento da sociedade. Tenho a esperança de que o Cazaquistão mude para melhor, e há muitas mudanças a fazer. Gostava que acabasse a corrupção e que houvesse maior justiça e liberdade como o presidente deseja. As eleições podem mudar o sistema e permitir avaliar melhor o governo. É bom haver estas eleições, penso que há condições para iniciar um novo ciclo, quero o melhor para o meu país».
Portugal como observador
A Comissão Eleitoral Central acreditou 793 observadores de 41 países e 12 organizações internacionais para acompanharem o ato eleitoral, naquela foi a maior missão de observação internacional no país.
Pedro Roque Oliveira, deputado do PSD à Assembleia da República, fez parte da equipa de observadores internacionais. «Visitei dez mesas de voto em Astana e, do ponto de vista técnico, foi um ato eleitoral perfeitamente normal», disse ao Nascer do SOL. «Foi tudo muito profissional na forma como as pessoas eram acolhidas, no processo de registo e no ato de votar». Roque Oliveira fez ainda questão de frisar que «não foi diferente de outros países, nomeadamente de Portugal, e embora a experiência de votar seja relativamente recente, viu-se que o ato de votar está bem consolidado neste país». E continua: «Estas eleições são fundamentais para cumprir o road map para a democracia. Isso é importante porque se estão a dar passos concretos para a separação de poderes e trazer a sociedade civil para as decisões. Do ponto de vista formal, estão reunidas as condições para que o processo democrático seja consolidado no Cazaquistão, sendo também um exemplo para os outros países da região».
Com uma larga experiência como observador em atos eleitorais por todo o mundo, Pedro Roque Oliveira diz que «as pessoas estavam felizes por votar em locais públicos emblemáticos: havia mesas de voto no Museu Nacional e na Ópera, não são propriamente as escolas primárias a que estamos habituados em Portugal». Daquilo que pôde ver, o deputado português conclui: «As eleições «respeitaram a voz dos cidadãos». E termina com uma história curiosa, mas reveladora e simbólica: «Na primeira polling station uma senhora entrou na seção de voto um pouco agitada. Explicaram-me que junto ao prédio onde morava estava tudo cheio de cartazes dos partidos e ela perguntava quem é que ia limpar aquilo. Isto mostra que não estavam habituados a campanhas eleitorais e a eleições com esta importância e dimensão».