por Luís Ferreira Lopes
O ministro das Finanças admitiu maiores apoios à produção agroalimentar, se os custos de matérias-primas como fertilizantes e adubos voltarem a subir, numa entrevista à RTP3, dia 29, após o anúncio do Governo de aplicar uma taxa de 0% no IVA sobre 44 produtos alimentares básicos. Fernando Medina sublinha que, apesar desta medida válida para seis meses, a prioridade do Governo é «contas certas», ou seja, reduzir a dívida pública abaixo de 100% do PIB até final do ano e conter o défice orçamental nos 0,4% já alcançados em 2022.
O nº 2 de António Costa destacou a importância dos acordos sobre a agroindústria (CAP) e grande distribuição (APED), celebrados no dia 27 (sem direito a perguntas dos jornalistas…), em particular nos apoios à produção, e apelou a que os comerciantes dos mercados, feiras e mercearias sigam o acordo celebrado com os hiper e supermercados que, dias antes, tinham sido acusados pelo mesmo Governo de práticas especulativas, com a mediatização de fiscalizações da ASAE. Medina lembrou que os cerca de 600 milhões de apoio do Estado se dividem em 410 para o IVA 0% e 200 milhões para ajudas aos produtores e defendeu que a medida do IVA zero «não é marketing político», argumentando que, num cabaz de 200 euros por mês, as famílias portuguesas conseguem uma poupança de 12 euros, embora a DECO aponte para uma poupança de apenas 8 euros.
Na entrevista a Vítor Gonçalves, o ministro das Finanças refutou, em tom sereno, as críticas sobre o atraso das medidas anti-inflação do Governo socialista e recordou que já tinha atuado na bonificação sobre combustíveis, nas medidas para eletricidade e gás, bem como no apoio orçamental de 30 euros a famílias mais vulneráveis e de mais 15 euros por filho, no ano passado. Do bolso tira ainda os aumentos de 5,5% dos salários (mais subsídio refeição), na função pública, atribuídos em outubro, e agora o aumento adicional de 1%, o que se traduz num aumento 6,5%, mesmo assim abaixo da taxa inflação recorde que está em níveis do início dos anos 90 do século passado.
Vários economistas e os partidos da oposição em geral defenderam que seria mais justo distribuir essa poupança generalizada dos ditos 12 euros apenas por quem mais precisa e que o alívio das taxas de IRS teria maior eficácia que esta mexida no IVA. Medina refuta: «Fizemos o alívio do IRS e IRC no OE 2023, com efeitos já este ano», mas reconhece que «metade dos portugueses não declara IRS»; isto é, admite o elevado nível de pobreza e também a erosão do poder de compra da classe média e média baixa em Portugal. O ministro afirma ser contra o tabelamento dos preços dos produtos porque isso iria aumentar a economia informal ou paralela e acredita que os preços dos alimentos vão começar a baixar por efeito da descida do frete marítimo, do custo de transporte e dos valores da energia, apesar do cenário de guerra na Ucrânia – cenário que o seu colega da Economia, António Costa Silva, já tinha traçado.
O Governo socialista poderia ter ido mais longe nas medidas sociais, em especial junto do que resta da classe média e dos novos pobres? Que diferente uso poderia dar à almofada da enorme receita fiscal decorrente da melhoria da atividade económica e da política fiscal à J.B. Colbert, ou seja, depenar o ganso extraindo o máximo de penas com o mínimo de grasnidos (imagem que já recordei na Bússola)? E a resposta é pragmática, seja qual for a ideologia do Governo: com um défice de 0,4%, tem margem para conceder maiores apoios, temporários e focados, para atenuar os efeitos sociais do brutal aumento da inflação e dos empréstimos à habitação, mas não pode carregar mais a despesa fixa do Estado.
E aqui entra o tema da dívida, no contexto da atual agitação dos mercados financeiros. Ora, o responsável pela pasta das Finanças admite não estar «descansado» com a redução da dívida pública portuguesa para 113,9% do PIB porque o BCE está a recuar na compra de dívida e, este ano, Portugal tem de pagar 1400 milhões a mais em juros, em relação ao ano passado, pelo que é essencial manter a «política de contas certas» por causa da «credibilidade do Estado junto de quem nos empresta dinheiro».
João Duque, economista, dean do ISEG e um dos críticos do Governo, considera que o atual ministro «é mais mão de vaca do que Mário Centeno» (ler entrevista e edição especial do jornal i de 28 de março), em alusão ao objetivo de redução da dívida pública abaixo dos 100% do PIB ainda este ano e de controlar o défice nos 0,4% num contexto de grave crise social, mas Medina lembra que não se trata de forretice: «Portugal era o terceiro país da União Europeia mais endividado com 125% do PIB (2021), está agora quase colado ao nível da dívida de Espanha e quer chegar a meio do pelotão» até final do ano, ou seja, sair da lista negra.
Com seriedade, Governo e oposição deveriam preparar um pacote de medidas de desagravamento fiscal – e de redução da incerteza fiscal (um dos principais custos de contexto do país) – em sede do OE 2024, em outubro, ou ainda no decorrer deste ano, se for necessário um OE retificativo. As famílias e as empresas não aguentam tantos impostos, ‘taxas’ e ‘taxinhas’. Não se trata de questões político-partidárias. Como avisava Bill Clinton, noutro contexto em 1992, ‘it’s the economy, stupid!.