Excluir para incluir

Devemos educar para que não haja exclusão de pessoas de qualquer tipo, não é excluindo-as do nosso vocabulário ou alterando-as nos livros que passamos a aceitá-las.

Acabaram-se os gordos, os feios, os homens, as mulheres, os nus e as pessoas de pele castanha. Já nada disso existe! Resta saber o que nos permitem que exista agora.

A sociedade parece andar perdida, sem vontade própria, ao sabor do que é suposto e do que está correto, sempre a postos para criticar e ao mesmo tempo demasiado preocupada com o que os outros pensam. Se por um lado se caminha no sentido da aceitação de tudo e de todos, numa campanha por vezes até agressiva, por outro a perseguição, censura e crítica tornaram-se o prato do dia.

Há cerca de duas semanas surgiu a notícia de que alguns livros da Enid Blyton – a conhecida criadora dos Cinco e do Noddy – teriam sido escondidos em sítios inacessíveis de algumas bibliotecas em Inglaterra de forma a proteger os leitores da sua linguagem ‘desatualizada’ e ‘ofensiva’, como o uso de ‘castanho’ ou ‘moreno’ para fazer referência à cor de pele de personagens. Um mês antes era noticiado que tinham sido feitas alterações aos livros de Roald Dahl, o autor de Charlie e a Fábrica de Chocolate, em adjetivos como ‘feio’ e ‘gordo’ ou trocado ‘homens’ por ‘pessoas’. Mais uma vez em nome da inclusão. 

Mais difícil de esconder ou modificar será o David de Miguel Ângelo, com 5,17 metros de altura. Considerada uma das mais importantes obras do Renascimento, está também na boca do mundo depois de a diretora de uma escola nos EUA ter sido despedida por alguns pais não terem gostado que mostrasse essa imagem aos seus filhos do 6.º ano numa aula.

É natural que haja pessoas mais suscetíveis ou puritanas, pais que confundam arte com indecência ou que vivam na ilusão de que os seus filhos de 11 anos, que devem passar uma boa parte dos dias a navegar na internet, nunca viram uma imagem de um homem nu.

Falando da cor de pele, é no mínimo um insulto considerar mais consensual haver personagens bronzeadas do que de pele morena, como aconteceu na alteração do livro de Blyton. Chamar as coisas pelos nomes não é um insulto. Daqui a pouco tempo será impossível fazer a descrição de alguém: a cor de pele está fora de questão, magro ou gordo também é ofensivo, alto ou baixo possivelmente também, será que ainda pode haver pessoas ruivas, loiras e morenas? A pele ‘branca’ ainda é permitida? Há uma diferença óbvia entre a ofensa e a evidência, embora para algumas pessoas isso aparentemente não seja assim tão claro. É o extremismo, o absurdo. Devemos educar para que não haja exclusão de pessoas de qualquer tipo, não é excluindo-as do nosso vocabulário ou alterando-as nos livros que passamos a aceitá-las. Muito pelo contrário. Há que tratar pelo nome, de forma clara e sem preconceitos, com naturalidade.

Não é preocupante não pensarmos todos da mesma forma ou não sermos todos iguais. Isso é normal e saudável. É normal, por exemplo, três pais considerarem que ensinar a história da arte tal como ela é aos seus filhos pré-adolescentes é ofensivo. O que não é normal é uma escola dar poder a esses três pais para demitirem uma professora que não fez nada de errado. Preocupante é haver pessoas que perdem tempo de lupa na mão para censurarem livros, filmes ou factos da história.

Se a preocupação com os mais novos é a de passar uma mensagem de respeito e inclusão, o que será que eles interpretam quando a escola na conivência de três pais despede injustamente uma professora? Ou quando se censura e modifica postumamente conhecidas obras de autores? Ou quando é mais bem aceite as pessoas estarem bronzeadas do que terem a pele morena? Talvez os adultos devessem perder mais tempo a educar para o respeito pelo outro, a transmitir bons valores e a criar adultos responsáveis, para que sejam as próprias crianças a ter discernimento de distinguir o que está certo e errado, do que alimentar esta infantilização, este puritanismo, este controlo opressivo, esta discriminação. Quem nos dera que muitos jovens se interessassem mais por literatura ou arte, mas assim será cada vez mais difícil.

Psicóloga na ClinicaLab Rita de Botton
filipachasqueira@gmail.com