IXTUS e Pesach: Páscoa e Reinvenção

Festejamos as datas e os feriados, mas nem sempre temos tempo ou interesse em perceber o seu significado original.

por Luís Ferreira Lopes

A vida das civilizações, nações ou empresas é sempre feita de simbolismos como o nascimento de um país ou a restauração da independência de um povo. No caso de Portugal, 1143 e 1640 são essas datas de referência.

Na vida das religiões e das sociedades, ao longo de séculos celebramos datas simbólicas como a Páscoa e mensagens sobre o que vemos ainda hoje nas organizações: o sacrifício de um líder perante um traidor (Cristo na última ceia com os apóstolos, após a entrada triunfal em Jerusalém no domingo de Ramos, montado num modesto jumento), a disrupção perante o status quo ameaçado (Jesus é julgado pelo sinédrio judaico por se intitular filho de Deus e condenado à crucificação) ou a esperança do renascimento que começa no sábado de Aleluia, quando se acende o círio pascal (vela que simboliza a luz de Cristo), onde estão gravadas as letras gregas Alfa e Omega que significam, para os cristãos, que «Deus é o princípio e o fim de tudo».

Festejamos as datas e os feriados, mas nem sempre temos tempo ou interesse em perceber o seu significado original. Alguns ficam satisfeitos por terem férias na Páscoa e viajam para bem longe. Outros, mal têm dinheiro para comer ou pagar o empréstimo mais caro da casa. Seja qual for a situação, muitos acreditam, de facto, na nossa capacidade de reinvenção perante as adversidades e simbolismo verdadeiro da Páscoa que assinala, para os cristãos, a ressurreição de Cristo ao terceiro dia da sua crucificação, perante o displicente ato de ‘lavar as mãos’ de Pôncio Pilatos, o governador romano da Judeia.

No ano da graça de 2023, este é também uma mensagem sobre comportamento económico e social. Não é o tempo para continuar a encolher os ombros ou empurrar problemas com a barriga. Por mais que nos inundem com imagens de coelhos ou ovos de chocolate, este é o tempo do cordeiro pascal e do peixe. Num país e numa Europa que precisa ir às origens para construir um futuro bem melhor, recordo alguns símbolos algo esquecidos da nossa identidade, enquanto nações e povos de uma Europa crente q,b, tolerante e ecuménica.

O acróstico IXTUS significa peixe em grego e é um símbolo de vida que foi usado pelos primeiros cristãos. Estas são também as iniciais de ‘Iesus Xristos Theos Huios, Sopter’, isto é, ‘Jesus Cristo, Filho de Deus, o Salvador’. E se este tempo de Páscoa, é útil saber que esta palavra vem do hebraico pesach, que significa ‘passagem’ ou ‘passar além’. Aliás, os judeus comemoram na Páscoa a conquista da liberdade pelos hebreus – os escravos no Egipto que conseguiram o regresso à vida digna. Neste tempo pascal, os cristãos celebram a passagem da morte para a vida. Para crentes ou não crentes, fala-se da hipótese diária de recomeçar, renascer, reinventar.

Este é tempo de reflexão, num contexto de pós-pandemia covid-19, um criminoso ataque russo à Ucrânia, uma inflação recorde com efeitos nos juros do BCE e nas prestações da casa – e uma crise económica e social que não dá sinais de abrandar. Este é o tempo de valorizarmos a cidadania e não o voyeurismo das redes sociais, de proteger a verdade e promover a Polis e não a projeção ou a sombra da realidade que Platão descreveu na célebre Alegoria da Caverna de A República, no século IV antes de Cristo.

Como escrevi no livro Esperança e Reinvenção, em 2020, «não precisaríamos de uma nova crise para descobrirmos o que é realmente importante na nossa vida enquanto nobre povo de uma Nação valente, una e europeia, nascida em 1143. O país de Eduardo Lourenço, Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade ou Amália Rodrigues já enfrentou tanta crise, peste, invasão, perda de soberania, bancarrota, inveja, pobreza, risco da aventura, descoberta de glória vã e sabe – pelo som das ondas do mar ou dos gemidos de uma guitarra – o que é choro, bravura, luto, alegria, resiliência e coragem. Este é, pois, um tempo de Esperança e de Reinvenção».

«É tempo de Esperança, ou seja, de pensamento estratégico e visão sistémica. Porque é tempo de contribuir civicamente para soluções concretas. (…) Porque é tempo de Reinvenção de modelos de negócio, da organização do trabalho, da liderança e gestão das pessoas, das sociedades ou das nações ou de cada um de nós. (…) Este é o tempo para reflexão sobre a economia comportamental – ou o comportamento dos agentes económicos na gestão de crises –, como já alguns tinham percebido na crise financeira de 2008/09 (que alastrou até 2014 em Portugal), embora haja quem defenda que dela nunca saímos verdadeiramente em termos estruturais, apesar do crescimento económico registado de 2015 a 2019 e da redução do défice e da dívida pública».

Sobre estes temas estruturais falaremos/escreveremos nos próximos meses porque é do interesse da Europa e de Portugal – amanhã. Este é tempo de percebermos que é preciso ir além dos assuntos da chamada espuma dos dias e que podemos e devemos analisar soluções concretas para os problemas dos cidadãos, apresentar e ouvir perspectivas diferentes, aprofundar reflexões sobre o que queremos ser como economia e nação nos próximos longos e desafiantes anos. A missão da comunicação social responsável é também essa: dar voz a quem tem visão estratégica, luta pela Polis e pela capacidade reinvenção de um país bem melhor para trabalhar e viver.