Entrei no Parlamento com mais de 106 mil pessoas atrás. Com Manuela Eanes, Dulce Rocha, Isabel Aguiar Branco, Garcia Pereira, Rui Pereira, Joana Mortágua, Paula Teixeira da Cruz, Teresa Morais, Teresa Leal Coelho, Maria Castello Branco, Catarina Furtado, Nuno Markl, Carolina Deslandes, Clara Sottomayor, Teresa Féria, Teresa Pizarro Beleza e Helena Pereira de Melo, entre outros e outras 106 mil 991 pessoas, entre as quais muitas vítimas de violação, das quais já deram a cara pela conversão da violação em crime público. Entrei com uma estranha sensação, de que a sensatez é mais do que necessária mas a reposta necessita de ser urgente. Urge darmos respostas a todas as mulheres que são vítimas de um dos crimes mais horripilantes da nossa sociedade. Do nosso lado também se posicionou a UMAR e a APMJ. Posicionou-se também a APAV, que disse que a violação devia ser um crime público mitigado com a opção da vítima desistir do processo se assim o desejar.
A juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, a Professora Doutora Clara Sottomayor, explicou de forma muito sucinta no programa Mulheres com Palavra, de 1 de abril, a diferença que existe entre crime contra a pessoa e crime não público ou semipúblico e a vital importância de fornecer à vítima uma situação de segurança que a proteja das pressões dos violadores, muitos deles pertencentes ao círculo familiar ou de pessoas muito próximas. A verdade é que em contexto de violência doméstica, a violação não é nenhum delírio, e graças à natureza do crime (público) as mulheres conseguem ter muito mais apoio, proteção (embora a considere insuficiente) e voz, algo que não acontece com as infinitas vítimas sem voz, expressão e silenciadas que são vítimas de violação. É preciso dizer também que um estudo feito pela União Europeia, demonstrou que o que desmotiva estas vítimas (de violação) a apresentar queixa não é a vergonha, mas o medo e o descrédito no sistema de justiça. E pior que isto tudo é ratificação do da Convenção do Conselho da Europa, mas sermos apenas nós e São Marinho que não tem a violação convertida em crime público, ao contrário do que acontece com Espanha, França ou Reino Unido. Acho que está na altura de começarmos a trabalhar na reparação e reconstrução das vítimas, não? É que elas, as vítimas já esperaram tempo que chegue. Na proposta do Partido Socialista não vi nem apoio psicológico, nem gabinetes de apoio pelo país inteiro, apenas um penso rápido em forma de despacho e um mínimo aumento do prazo de apresentação de queixa que se fosse crime público seria de 10 anos, ao invés de 1 ano, aqui apresentado. O resto não existiu, nem se vislumbrou. É altura de deixarmos de brincar com a vida das pessoas mais frágeis da nossa sociedade.
Não é por acaso que 106 mil e 900 se manifestaram. Uma parcela representante de milhões de pessoas, pois milhões não possuem acesso à internet ou sequer a redes sociais, pensam o mesmo. A sociedade civil falou. Do que estamos nós à espera?