Quando empregamos a designação ‘à portuguesa’, podemos estar a falar da nossa gastronomia, campo em que o nosso país é fértil, ou das nossas tradições, como a tauromaquia e as famosas ‘corridas à antiga portuguesa’, ou da célebre ‘revista à portuguesa’, pela qual alguns continuam a lutar para não a deixar cair, ou das danças regionais, do cante alentejano, do fado, do artesanato, enfim, de um vasto leque de artes genuinamente portuguesas de que tanto nos orgulhamos.
Contudo, nem sempre essa expressão é utilizada por bons motivos. Muitas vezes servimo-nos dela exatamente em sentido oposto: para criticar e manifestar o nosso descontentamento, assumindo logo não sermos capazes de fazer melhor, atribuindo-nos uma pobreza de espírito que até nos coloca mal perante os outros.
Falo neste assunto a propósito de uma conversa tida recentemente com um doente. Contava-me ele que, no final de uma discussão acalorada no centro de saúde onde está inscrito, dissera à funcionária administrativa que o atendeu: «É tudo à portuguesa!».
Beneficiário de um subsistema de saúde onde era acompanhado há muitos anos pelo mesmo médico (não sobrecarregando assim o SNS, onde não há resposta para toda a população), recebera uma convocatória para comparecer no centro, sendo obrigado a optar entre um médico de família que lhe seria atribuído e a manutenção da situação anterior – perdendo, neste caso, o direito de recorrer aos serviços do Estado.
O utente não se conformou com a exigência e protestou veementemente, pois queria manter a inscrição na unidade estatal continuando, cá fora, com o médico que o acompanhara desde sempre.
Julgo que o doente estava cheio de razão! Não compreendo estas orientações que revelam, em minha opinião, uma desorganização nos serviços. Qualquer cidadão que tenha assistência médica fora do SNS deve manter a sua inscrição no centro de saúde para salvaguardar urgências, baixas, tratamentos de enfermagem, vacinação e serviço social. Uma coisa não deve invalidar a outra. É uma questão de organização e de definição de regras.
E o que dizer dos hospitais que funcionavam bem e com boa resposta em Braga, Loures e Vila Franca geridos através de parcerias público-privadas onde – para espanto de muita gente – esse modelo de gestão terminou, dando lugar ao regresso dos problemas que todos conhecemos com prejuízo para os doentes? Não haverá ninguém com isenção e bom senso que não veja os resultados dessa decisão desastrosa? Ou estamos perante uma forma particular de ‘gestão à portuguesa’?
Outro tema que nos continua a chocar são os lares da terceira idade. Semanalmente conhecemos casos escandalosos ocorridos nessas instituições, levando-nos a questionar o papel da Segurança Social. Curiosamente, quando alguém quer iniciar este tipo de atividade, são precisas não sei quantas tarefas a cumprir, as dificuldades são enormes e a burocracia não tem fim; ora, para que serve tudo isto se, mais tarde, vimos a constatar as condições lamentáveis e vergonhosas que se verificam nessas unidades, muitas delas escapando à fiscalização da tutela? Tudo ‘à portuguesa’!
Continuando neste tipo de ‘gestão’, aqui fica mais um exemplo caricato: a recolha do lixo doméstico, um verdadeiro atentado à saúde pública, onde legislação e falta de civismo de certos cidadãos parecem andar de braço dado.
Tudo porque os responsáveis do setor teimam em não perceber que os bairros históricos da capital não dispõem de espaço próprio nos prédios (como já existe nos edifícios modernos) onde os resíduos possam ficar em segurança à espera de serem retirados. Conclusão: como a recolha é feita apenas três vezes por semana, o lixo doméstico é colocado indiscriminadamente nas papeleiras da rua, quando não mesmo a céu aberto ou em cima dos passeios. Não seria preferível, nestes casos excecionais, haver uma recolha diária ou estudarem-se outras alternativas, como os ecopontos?
É triste ter de reconhecer os nossos erros, mas não podemos fechar os olhos à realidade. E citei somente problemas da minha esfera profissional, esperando que possam ter outra solução futura. Quero muito acreditar que, para as próximas gerações, a expressão ‘à portuguesa’ possa significar só os nossos êxitos, as nossas vitórias e as coisas boas da nossa terra.