Previsões do FMI, as nuvens de Roubini e o imperativo do crescimento

António Costa desvaloriza previsões do FMI de crescimento de apenas de 1%, este ano. Nouriel Roubini alerta para tempestade da estagflação e armadilha da dívida.

por Luís Ferreira Lopes

Será tudo uma questão de perspetiva e de copo meio cheio ou meio vazio? Visto da Coreia do Sul, o cenário do FMI para Portugal não é sombrio. António Costa afirma que as previsões do FMI costumam falhar e que «não se vive de previsões, mas sim de resultados». Ora, é precisamente resultados que os portugueses esperam da visita de dois dias do primeiro-ministro a Seul, no início da semana, com o objetivo de captar mais investimento estrangeiro e impulsionar um crescimento maior do que a estimativa cinzenta de 1%, com Portugal a ficar a meio da tabela do FMI e bem longe dos 5,6% de crescimento da Irlanda e de 2,6% da Grécia. 

Em Lisboa, o primeiro-ministro tem sido acossado por escândalos na TAP, resultados preocupantes nas sondagens, alvo de contestação social e tudo isto num ambiente de ‘pântano”’mais nauseabundo do que no tempo de Guterres, há mais de duas décadas, apesar de Costa deter hoje uma maioria absoluta à Sócrates e à Cavaco. Mas o primeiro-ministro sabe também que conta com almofadas de fundos europeus e com uma oposição que não tem sido capaz de apresentar propostas alternativas que ofereçam maior confiança aos portugueses. Por isso, vai gerindo o curto prazo, sob o pretexto de uma conjuntura internacional de guerra na Ucrânia e de incerteza mundial – variável que é permanente, seja qual for a circunstância porque, de repente, tudo pode mudar como se viu com a pandemia, em 2020, a queda de parte do sistema financeiro, em 2008, ou os atentados terroristas às torres gémeas, em 2001.

«Desde que sou primeiro-ministro, temos verificado que a realidade tem superado as previsões, mesmo as mais otimistas, que tendem a ser as do Governo. Ainda no ano passado, Portugal registou um crescimento económico superior àquele que o próprio Governo tinha», lembrou o líder socialista. É útil recordar também que os crescimentos de 2021 e 2022 ficam aquém do trambolhão de 2020, no pico da pandemia. Isto é, se cair 8,4% e depois recuperar 6,7 num ano, isso é positivo, mas o desafio é crescer a esse ritmo de 6% ou 4% sustentadamente por vários anos, para Portugal superar os países de Leste que nos têm ultrapassado – e para que o otimismo de Costa seja uma realidade sentida nos bolsos dos cidadãos.

A partir de Seul, Costa foi categórico: «os indicadores que temos sobre o desempenho da economia dão-nos razões para estarmos confiantes no sentido de que este ano, mais uma vez, a nossa economia vai superar as más perspetivas que às vezes surgem». O certo é que os cálculos de entidades como FMI, Comissão Europeia e OCDE estão abaixo dos 1,3% previstos pelo governo e dos 1,8% do Banco de Portugal (BdP) para este ano. Não menos preocupante é a previsão de 5,7% do FMI para a taxa de inflação, este ano, só reduzindo para 2% em 2028, acima da previsão da zona euro. E o FMI alerta para a turbulência recente dos mercados financeiros e os efeitos sobre a dívida pública e dívida externa de países mais expostos como é ainda o caso de Portugal.

De acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional, a economia portuguesa deverá ser superada por crescimentos maiores de países como Eslováquia, Espanha, Eslovénia, Croácia, Chipre, Grécia, Malta e Irlanda. Por outro lado, Alemanha, França, Itália ou Bélgica deverão ter crescimentos abaixo de 1%. Isso é preocupante porque as empresas portuguesas exportam bastante para mercados como Alemanha (-0,1%) e França (0,7%). Além disso, há que contar com as nuvens negras da estagflação e da «armadilha da dívida» descritas por Nouriel Roubini, em artigo recente (traduzido no Negócios): «as taxas diretoras mais elevadas alimentarão crises sistémicas da dívida que o apoio à liquidez será insuficiente para resolver».

O economista que previu o crash de 2008 faz novo aviso à navegação: «Os bancos centrais também não podem partir do princípio de que a próxima crise do crédito matará a inflação ao conter a procura agregada. (…) Uma forte recessão é a única coisa que pode moderar a inflação dos preços e salários, mas isso agravará ainda mais a crise da dívida – o que, por sua vez, alimentará uma desaceleração económica mais profunda». E alerta: «atendendo a que o apoio à liquidez não pode evitar este infernal ciclo sistémico, todos devem preparar-se para a crise da dívida estagflacionista que aí vem». 

É neste contexto de turbulência financeira, elevada inflação e crescimento fraco mundial, com contínua perda do poder de compra das famílias, que é simbólico o anúncio, esta semana, de um pacto para o crescimento que as confederações patronais portuguesas prometeram desenhar com as centrais sindicais, no momento de passagem de testemunho na liderança da CIP, após reptos já lançados pelos empresários do Business Rountable Portugal (BRP). Mas, além de tardio, o pacto de pouco servirá se o governo não ajudar com redução rápida da incerteza e da carga fiscal; não facilitar a retenção e contratação de mão de obra qualificada; não promover a criação de riqueza através das exportações; ou não incentivar as pequenas e médias empresas a ganharem escala porque o país precisa mesmo de empresas grandes (ou maiores do que a EDP, Galp ou Corticeira Amorim) na competição dura no mercado global.