Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), que Futuro?

Até quando esta grave discriminação, demonstrando que na realidade há portugueses de primeira e outros que nem de segunda são?!

por José Bourdain
Presidente da ANCC

A RNCCI Foi criada em 2006, tendo as primeiras Unidades iniciado o seu funcionamento em 2008/2009. O objectivo principal foi dar a resposta mais adequada do ponto de vista dos cuidados de saúde e apoio social aos doentes provenientes dos hospitais centrais, libertando assim camas que ficariam muito mais caras aos Estado. Desde que a RNCCI entrou em funcionamento o número de camas hospitalares públicas (dados de 2010) era de 25.291 e passou para 23.400 em 2020, sofrendo uma diminuição de 1.891 camas. A diária de internamento em 2022 para, por exemplo, centros especializados de reabilitação, foi de 294€, isto é, o triplo do valor que é pago na tipologia de UMDR (95,84€). Por aqui se percebe a enorme poupança para os contribuintes.

No entanto, tal como no sector social em geral, os sucessivos Governos (e em especial o actual) aplicaram uma austeridade brutal sobre os cuidados continuados, através de uma série de imposições que aumentaram em muito os seus custos (como por exemplo no salário mínimo nacional, na TSU, na obrigatoriedade de contratação de mais recursos humanos, aos quais acresceu uma pandemia e a inflação em 2022 e 2023, cujo maior impacto foram os custos com luz e gás que subiram entre 300% e 500%), não lhes dando a componente respectiva de receita, para fazer face a esse aumento de custos (não actualiza os valores com base na inflação como preconizado por lei mas por contraposição actualiza sempre nas PPP rodoviárias, não aplica os acordos em sede de compromisso para o sector social, não deu um único cêntimo de reforço orçamental na Pandemia, deixou o sector de fora nos apoios às empresas com elevados consumos energéticos). O resultado, é um enorme subfinanciamento, que leva a que muitas organizações privadas com e sem fins lucrativos, vivam momentos muito difíceis que colocam em causa a sua sustentabilidade e a própria existência. Exemplo disto mesmo, foi o encerramento de várias Unidades de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) nos últimos 2 anos, num total de 220 camas. Em Março de 2023 outra UCCI do Algarve, associada da ANCC, comunicou o encerramento de uma Unidade com 25 camas, pois não suporta os elevados prejuízos.

Entretanto o Governo anunciou a abertura de concurso, no âmbito do PRR, de mais 5.500 camas em cuidados continuados com apoio a fundo perdido de 100%. Contudo, tal como no Programa PARES, o custo do m2 de construção foi estimado em pouco mais de 600€, quando a realidade é de 1.600€ o m2. Ou seja, 100% de um valor é afinal 30% do real. Isto significa que quem quiser investir em Cuidados Continuados, vai ter de se endividar em muitos milhões de euros, sabendo que há data já existe um subfinanciamento. A pergunta que se coloca no imediato é: haverá número de entidades suficientes interessadas em investir nestas circunstâncias? Sabendo que há um subfinanciamento crónico e contínuo? Que no dia-a-dia as receitas não cobrem os custos? Que acresce a amortização de capital mais o pagamento dos respectivos juros? Que há um Governo que em 7 anos não cumpre a legislação em vigor de actualização de preços? Que não cumpre com os acordos que assina? Que muda constantemente as regras a meio do jogo, sempre em desfavor de quem investiu em Cuidados Continuados? Não auguro nada de bom para a execução do PRR e temo pelo futuro da RNCCI, a qual considero a maior evolução desde que existe o SNS.

Importa ainda referir, que o sector social e o dos cuidados continuados são a “galinha de ovos de ouro” do Governo. Este paga mal, não dando assim os recursos necessários para fazer um trabalho de qualidade (que exige) mas sabe que o sector funciona, além de não dar verbas suficientes para se pagarem salários justos. É um sector que não faz greves nem manifestações (mas devia). A tabela salarial de quem trabalha nestes sectores é miserável e a culpa é unicamente do Governo. Muitas pessoas que trabalham neste sector não têm aumento salarial há mais de 10 anos. Sofrem a inflação mais do que a maioria dos portugueses e viram em Janeiro e em Abril os funcionários públicos a serem aumentados. No caso dos Técnicos superiores da Administração Pública, estes tiveram um aumento mínimo que ronda os 150€, quando nestes sectores a maioria nem aumentos teve, pelo que as pessoas se sentem indignadas e revoltadas com esta enorme discriminação. É profundamente injusto que assim seja, pois 100% das receitas dependem das decisões do Governo e este não dá a estes sectores os mesmos recursos que dá à administração pública. Até quando esta grave discriminação, demonstrando que na realidade há portugueses de primeira e outros que nem de segunda são?!

Está mais do que na altura, de dirigentes e trabalhadores do sector se indignarem e fazerem bem mais do que fazem para mudar este quadro.