Por Filipa Chasqueira
Há umas semanas tive de ir com um dos meus filhos a uma urgência de pediatria. Entre a triagem, o atendimento, as análises e os exames, passámos mais de quatro horas no hospital. Felizmente não era nada de grave e em poucos dias o meu filho estava ótimo. Pelo contrário, o que me pareceu preocupante e não ter um bom prognóstico foi a forma como a maioria das pessoas se comportavam enquanto esperavam.
Durante as quatro horas em que lá estivemos passaram pelas urgências indivíduos de todas as gerações: desde bebés a pessoas de idade. O que tinham todos em comum além de serem acompanhantes ou pacientes? Um telemóvel na mão! Exceto quatro: um tinha uma consola Nintendo e os outros três eram auxiliares educativos e provavelmente por estarem em serviço estiveram o tempo todo simplesmente à espera ou a ler um livro, sem trocar uma palavra com os jovens, que estavam absortos no pequeno aparelho.
O que mais me impressionou não foi ver crianças de um ano absorvidas pelo telemóvel, mãe e filhos cada um com o seu, ou o alheamento de todos. A tudo isto já nos fomos habituando. O que me preocupou foi a incapacidade para a relação. Perante o silêncio e a espera escolhem o telemóvel que se interpõe entre eles, deixando-os alheados uns dos outros e do que os rodeia. Se quando alguém querido e próximo está magoado ou doente, quando não se sente bem, se o maior consolo que achamos que lhe podemos dar é pôr-lhe um telemóvel ou uma consola na mão algo está muito errado.
Aquilo que ainda nos distingue das máquinas – que estão a avançar a passos largos – é a relação, o vínculo, a vivência, a troca de afetos, de emoções. Estar com o outro, ouvi-lo, conversar, jogar, brincar, são tudo coisas que poderiam ser extremamente ricas mas que cada vez mais parecem ser insuficientes.
O vínculo de pais e filhos é dos mais fortes. Que conclusão podemos tirar quando num momento de espera, eventualmente de alguma ansiedade, dor ou aflição, em que pais e filhos estão juntos, não há capacidade ou disponibilidade para a relação, para o colo, para a troca, para preencher o tempo com palavras, jogos ou simplesmente estar um com o outro? Será falta de confiança dos pais, que sentem que a sua companhia é insuficiente ou que não trará tanta satisfação como um pequeno ecrã? Será desinteresse e vontade de eles próprios cederem à tentação de fazer scroll em trivialidades, como fazia a senhora que esteva sentada ao meu lado? Percebo que o telemóvel já faça parte de nós e que às vezes possa ser difícil resistir à tentação. Há sempre uma boa desculpa para pegar nele. Mas não podemos permitir que se sobreponha aos nossos filhos, aos nossos amigos ou a nós próprios. Às vezes, como quando estamos com o nosso filho na sala de espera da urgência, talvez não fosse má ideia deixar o telemóvel ‘esquecido’ no carro para nos dedicarmos inteiramente a quem precisa de nós, mesmo que pareça absolutamente satisfeito se lhe passarmos o pequeno aparelho para as mãos. E quem diz na urgência diz em casa, no parque, no restaurante ou no trabalho, para não nos esquecermos que ainda temos muito para oferecer uns aos outros que as novas tecnologias estão longe de ser capazes de dar.
Psicóloga na ClinicaLab
Rita de Botton
filipachasqueira@gmail.com