A comissão técnica independente que está a estudar a futura localização do novo aeroporto de Lisboa, nomeada pelo governo, apresentou recentemente novas alternativas à Portela e abriu a discussão aos cidadãos através da plataforma “Aeroparticipa”. É útil ouvir os cidadãos sobre uma matéria de infraestruturas que tem impacto para as próximas décadas e que há décadas anda a ser discutida e empurrada com a barriga. Mas está na altura de fazer perguntas e chamar os bois pelos nomes porque continuamos com um elefante na sala.
A comissão independente, liderada por Rosário Partidário, considera uma lista de localizações e/ou combinações como Montijo, Alcochete, Santarém, Alverca, Beja, Monte Real, além da manutenção da Portela com outra localização complementar, mas Ota, a localização estudada e decidida há décadas (e revertida pelo então primeiro-ministro José Sócrates com o amén pouco estudado do então Presidente Cavaco Silva) não surge na lista das alternativas à Portela.
Em cima da mesa, neste momento, estão nove hipóteses: Montijo (principal) + Portela (secundário); Portela (principal) + Montijo (secundário); Alcochete; Portela (principal) + Santarém (secundário); Santarém; Alcochete (principal) + Santarém (secundário); Alcochete (principal) + Portela; Alverca (principal) + Portela (Secundário); Beja. Para que conste, o governo de António Costa indicou as opções Portela+Montijo, Montijo+Portela, Alcochete, Portela+Santarém e Santarém, mas a decisão será da Comissão de Acompanhamento, liderada pelo engenheiro Carlos Mineiro Aires, após modelo negociado entre governo e PSD.
Até 27 de abril, a comissão técnica fechará a lista das hipóteses, mas até à data de fecho desta edição, não consta a Ota – a solução que governantes do PS e PSD e especialistas conceituados consideraram a localização ideal, desde meados dos anos 80 do século XX até 2008. Um ano antes, o então ministro Mário Lino excluiu Alcochete perante Ota através do famoso “jamais na margem sul do Tejo”. Poucos meses depois, em janeiro de 2008, os inquilinos de São Bento e de Belém alteraram o que estava previsto e decidido por governos de Mário Soares, Cavaco Silva e António Guterres e afastaram a decisão Ota, alegadamente suportados num estudo de 355 páginas do Laboratório nacional de engenharia civil (LNEC). Para contextualizar, esses eram tempos de grande influência político-financeira do BES / GES, entidades lideradas por Ricardo Salgado, curiosamente proprietário dos terrenos situados nas imediações das instalações militares do Campo de Tiro de Alcochete. Pergunta: de quem serão agora esses terrenos?
Vamos aos factos. Em 1989, o Estado português decidiu reconverter (e bem) a zona industrial e portuária degradada do que é hoje o Parque das Nações para conceber a Expo 98. O governo era liderado por Aníbal Cavaco Silva. António Cardoso e Cunha, António Mega Ferreira, Vasco Graça Moura e, mais tarde, José Torres Campos, estiveram na origem da Exposição Mundial dos Oceanos e da notável transformação de Lisboa Norte. Aveiras de Cima (Alenquer) foi o local escolhido para deslocalizar as reservas de combustíveis para o futuro aeroporto (Ota) e para as estações de serviço da região metropolitana de Lisboa.
A decisão, planeada desde final dos anos 80, foi executada nos anos 90. Aveiras era a alternativa a Marvila e Olivais (Expo) para servir de abastecimento ao futuro aeroporto de Lisboa. A indecisão dos anos seguintes tem levado a um impacto ambiental e a um risco brutal diário do transporte rodoviário de combustíveis na A1. Mas o novo aeroporto da Ota precisava de novos acessos rodoviários e ferroviários, além de fornecimento de combustível.
Em junho de 1994, o então ministro Ferreira do Amaral inaugurou o primeiro troço da CREL entre Queluz e o estádio nacional. A circular externa de Lisboa – que, desde 1995, liga Caxias a Alverca ao longo de 34 kms – é uma das obras públicas que transitaram de Cavaco para Guterres, tal como a ponte Vasco da Gama, e que tinham um racional de interligação e intermodalidade na região de Lisboa na articulação com o novo aeroporto da Ota. Poucos anos mais tarde, a A9 foi estendida até ao Carregado (Alenquer / Ota) para melhor acesso ao futuro aeroporto e para aliviar a 2ª circular de Lisboa. Ou seja, o anel de Lisboa chegava ao Carregado, onde está a logística. Fazia sentido para os especialistas, não era uma bizarria.
Os técnicos sabiam que a A1 (lisboa / Porto) permite a ligação à CREL e passa ao lado de Ota. Sabiam também que era preciso construir um curto ramal ou ligação ferroviária da linha Norte (Azambuja) até à Ota, obra barata demais para os interesses instalados à volta destes grandes projetos de infraestruturas. Ou seja, quem planeou, estudou e decidiu durante cerca de três décadas a solução Ota não era tonto e sabia que Vila Franca de Xira, Carregado ou Alenquer são a entrada norte da AML – área metropolitana de Lisboa. Para quem tiver dúvidas e se der ao trabalho de pesquisar, sugiro a consulta de documentação existente (leia-se, aquela que não foi destruída…) nos arquivos públicos, em especial junto dos órgãos de soberania.
Se tiver coragem e independência, a comissão técnica liderada pela professora Rosário Partidário e seis coordenadores técnicos, baseados no LNEC, deveria colocar Ota na lista das hipóteses de localização. Para qualquer cidadão de bom senso, é natural que Portela venha a ser descontinuada pelo risco ambiental e de acidente grave em Lisboa e que seja construído um novo aeroporto de raiz fora da capital como esteve previsto desde antes do 25 de abril de 1974, efeméride que agora se celebra num ambiente de pântano político.
Os especialistas em planeamento e transportes da referida comissão deveriam também fazer algumas perguntas como, por exemplo, a quem tem interessado que o novo aeroporto de Lisboa seja localizado na margem sul, no Montijo – que ficará debaixo de água dentro de dez anos, além do conhecido risco da avifauna? Ou em Alcochete, onde estão dois dos maiores aquíferos (reservas de água potável) e dos maiores montados de sobro da Europa? Se o aeroporto ficar na margem sul, a solução é a travessia rodoviária das duas pontes existentes (Vasco da Gama e 25 de Abril), cuja concessão é da Lusoponte. Quem são os acionistas que decerto amortizariam rapidamente o investimento através das portagens existentes e de uma nova e pouca falada concessão privada de transporte fluvial, ao estilo táxis marítimos de Veneza, que torneia o duopólio Transtejo / Soflusa?
Beja e Monte Real entram no critério / radar de região de Lisboa? Há coragem para decidir que o aeroporto da Portela é para descontinuar e fica apenas transitório até ser construído um aeroporto de raiz nas localizações apontadas, adicionando a Ota? Se sim, os políticos e os técnicos sabem que há uma solução temporária, barata e próxima de Lisboa, que está debaixo do nariz e que permite libertar espaço de aviões civis e militares em Lisboa e a manutenção da TAP na Portela? As perguntas e reflexões continuam aqui na próxima semana.