por Luís Filipe Menezes
Ex-presidente do PSD
No dia 17, fui convidado para uns 15 minutos de comentário na RTP.
Há muito que as televisões e a maioria dos media me haviam exorcizado da primeira linha. Como o convite era uma raridade aceitei com gosto o ‘corajoso’ desafio – coragem de quem me convidou sem medo de ser perseguido!
Compreendo a censura que me tem mantido longe, que até me saneou, sem comunicação prévia, de um inócuo programa futebolístico.
Sempre fui e sempre serei o contra retrato, do progressivo clima de letargia bolorenta, controlada, medrosa e hipócrita em que se transformou a nossa vida pública. Por isso essa nova modalidade ‘prisão domiciliária’ mediática, longe da opinião pública, não me surpreende.
Nessa noite muitos terão feito, após me escutarem, o comentário de sempre. «Lá está a excessiva assertividade, a despudorada clareza, há verdades que não se dizem»!
Muito jovem vi ser esse o comentário diário à forma de fazer política do fundador do PSD.
Sempre me identifiquei com aquela postura destemida e verdadeira. Humildemente, sempre a tentei praticar.
Esta atitude de patética, de culto de uma pseudo ‘moderação nacional’, aliada a uma tendência para a falta de auto estima, de confiança e ambição – os Mourinhos, os Horta e Costa ou os Damásios – são poucos, exceções, nem sempre muito apreciadas.
A monotonia comportamental, apimentada por décadas de anestesia do Estado Novo, transformou muitos de nós numas ‘boas pessoas’, um pouco ‘pró-bananoides’, que preferem viver em águas turvas e densas onde ninguém se afunda, mesmo quando não sabe nem quer nadar.
Nessa declaração não disse nada que já não tenha afirmado ou escrito e que sempre reiterarei: Marcelo Rebelo de Sousa é dos cidadãos que nasceu para vencer e, envolvendo-se na vida política, com todos os condimentos para chegar ao topo do Estado.
Nasceu na hora certa, na família adequada, teve a educação aconselhável e depois os genes fizeram o resto.
Foi um aluno e um professor brilhante, é superiormente inteligente e culto, tem ‘mundo’, sendo o mais urbano e cosmopolita dos ativos da política.
Então por que não teve rapidamente sucessos na esteira de constantes resultados expressivos, isto quando da atividade pública se fala?
Em consonância com esta constatação está o facto de ter chegado ao cimo ‘tarde demais’ para tão invulgar talento.
Recordo que, contra todas as expectativas, perdeu a corrida para a liderança de Lisboa contra Jorge Sampaio, perdeu, por desistência, face às habituais tropelias de Paulo Portas, a possibilidade de chegar a primeiro-ministro. Quem, à época, o prognosticaria?
Só 20 anos volvidos, depois de muito labutar e de preciosas milhares de horas de rádio e TV, perante uma esquerda exangue de alternativas, chegou a uma vitória importante, muito importante, com a conquista da chefia do Estado. Diga-se que, para isso acontecer, foi muito útil o constante e prolongado ‘colinho’ mediático.
Excessivo esforço e desnecessária demora para quem tinha, tem, tantas condições de base.
Mas voltemos à minha intervenção televisiva que beliscou os habituais espíritos defensores do pântano da mansidão.
Na segunda-feira afirmei as qualidades que sempre apreciei em Marcelo Rebelo de Sousa, mas critiquei frontalmente e com dureza alguns aspetos da sua opção de exercício da sua alta magistratura.
Critiquei uma ‘tolerância’, quando não um apoio quase paternal, a um excesso de escolhas e diretivas governativas erradas, quando não desastrosas.
Critiquei a forma condescendente como baseado no simplismo constitucional, apadrinhou a influência marxista leninista no executivo, situação nunca tolerada por antecessores, militantes inequívocos da esquerda política.
A ‘geringonça’ foi uma espécie de ‘contra troika’, nos prejuízos estruturais que deixou, para muitos anos, como ‘fatura’ da nação. Foi um erro pouco desculpável a forma como foi ex excessivamente tolerada e até apaparicada.
Critiquei o maniqueísmo político que justificou abençoar a presença do PCP e do Bloco de Esquerda na esfera da governação e o amaldiçoamento apriorístico radical do partido de André Ventura.
Sou social-democrata, nada me identifica com a novel extrema-direita europeia que, na generalidade, detesto e que, em muitos casos, considero próxima do que considero ser o regresso do fascismo do século XX, só que disfarçado de ‘tecnológico’ – no entanto, tenho a lucidez de constatar as evidentes distâncias que vão da ‘putinista’ bafienta família Le Pen, à atual líder do governo italiano ou até ao nacionalista primeiro-ministro húngaro.
Todavia, decisões como as que permitiram que comunistas e bloquistas fossem vice-presidentes do Parlamento e hoje não o permitem a militantes do Chega – no caso vertente, Diogo Pacheco de Amorim, curiosamente um dos cofundadores da Aliança Democrática de Sá Carneiro no Porto! – são patéticas e politicamente estúpidas.
Como líder do PSD, teria, sobre o tema, a mesma posição que teve Luís Montenegro, mas não consentiria que, sem ter autoridade moral para o fazer, Sua Excelência o PR condicionasse o dia a dia da evolução da oposição democrática.
O Chega de hoje, que convida Bolsonaro e Salvini, que não clarifica as suas políticas de emigração e integração étnica e racial, não me entusiasma a com ele equacionar parcerias.
Comigo não seriam, neste contexto, possíveis.
Mas, tal como afirmei, não sei como este Chega ‘chegará’ a 2025, pois muita água ainda passará por baixo das pontes e o pior que se pode fazer na vida pública é subestimar homens inteligentes, chamem-se Marcelo Rebelo de Sousa ou André Ventura.
Finalmente uma palavra sobre Montenegro, de quem também opinei nesse dia.
Tem uma tarefa difícil. Herdou um partido quase destruído por Rui Rio, um grupo parlamentar que não escolheu, joga com uma ausência do Parlamento castradora de uma oposição mais direta, enfrenta uma legislatura absurdamente hipertrofiada.
Ser líder da oposição desgasta quase tanto como ser primeiro-ministro, todavia há que lhe dar as oportunidades que o seu trajeto, sem erros relevantes até ao momento, certamente fará por merecer.
No entanto, Montenegro tem que começar a compreender melhor que Marcelo é um Presidente popular, louvavelmente próximo das pessoas, mas que pautará sempre o seu mandato pela conjugação do interesse nacional com o seu. Nunca prescindindo de acoplar o segundo.
Terminei a minha intervenção dizendo, olhos nos olhos, a Sua Excelência para ‘não se meter publicamente na ‘guerra’ das direitas’.
Reafirmo-o, sem que isso signifique falta de respeito pessoal e institucional por um velho colega de partido que sempre respeitarei.
Mas essa postura verdadeiramente respeitadora, e até em muitos aspetos de admiração e apreço pessoal, nunca me impedirá de continuar a tentar fazer a pedagogia democrática, que sabe separar má educação, insulto ou difamação, do legítimo afrontamento democrático que assenta na discordância com que se identificam milhares de cidadãos.