Por Nuno Melo
As declarações de Lula da Silva, colocando-se do lado das ditaduras chinesa e russa, enquanto ataca os EUA e a UE, que diz incentivam a guerra na Ucrânia, assumem uma dimensão mais grave, num contexto de evidente reconfiguração geopolítica à escala global.
Nenhum democrata deveria ignorar que quem incentiva o conflito é a Rússia, que violou fronteiras reconhecidas e o direito internacional, para destruir cidades com violência medieval, vitimando indiscriminadamente civis.
Por seu lado, a China não é hoje um gigante emergente, à procura do espaço que entende justo, nas relações entre nações. Atingiu um estatuto de superpotência, que rivaliza com os EUA, depois de suplantar largamente a Rússia e deixar a UE às contas com um papel crescentemente exíguo, neste início de século XXI.
Com perto de 1.4 biliões de pessoas, a China soma a modernização científica, tecnológica e militar, ao peso da demografia. Quando o Brasil se lhe junta, contemporizando com a dinâmica beligerante russa, a posição não pode ser desvalorizada.
É por razões de política doméstica que a China não alinha ostensivamente com os propósitos expansionistas de Vladimir Putin. Aceitar a mutilação de parcelas territoriais da Ucrânia, significaria a possibilidade da mesma doutrina vingar em relação a Taiwan. Apesar disso, assegurando juntamente com a Índia as transações comerciais que as sanções decididas pela ONU e a UE pretendiam impedir, os dois países retiram-lhes eficácia e financiam o esforço de guerra russo.
Agravando o cenário, a UE, persistentemente irrelevante a propósito, divide-se, com Emmanuel Macron à frente de um saudosismo da força de outros tempos, que bate de frente contra a realidade. Aliás, se o presidente francês entende que a UE não deve andar a reboque dos EUA, manda a razão que a UE também não cometa o erro de andar a reboque da França. É até caso para se perguntar o que decidiria Emmanuel Macron no caso de ocupação da ilha por parte da China?
Ninguém lúcido desejará um novo conflito com epicentro no Leste da China, somado à guerra em solo ucraniano. Mas seguramente que a UE encarará melhor o futuro em tempos de paz, como em tempos de guerra, preservando a NATO e as relações com o principal o mais poderoso aliado, os Estados Unidos da América, do que virando-lhes as costas.
Pelo caminho, o PS decidiu associar Lula da Silva às comemorações do 25 de Abril, sem noção de que o apoio a ditaduras, deveria ser incompatível com o valor da Liberdade que se pretende celebrar. Se as relações entre os Estados devem ser valorizadas e o presidente do Brasil recebido com dignidade, a ocasião e o lugar só poderiam ser outros. Pena que a esquerda parlamentar portuguesa não o queira perceber.