Russo-tropicalismo

O PS decidiu associar Lula da Silva às comemorações do 25 de Abril, sem noção de que o apoio a ditaduras, deveria ser incompatível com o valor da Liberdade que se pretende celebrar

Por Nuno Melo

As declarações de Lula da Silva, colocando-se do lado das ditaduras chinesa e russa, enquanto ataca os EUA e a UE, que diz incentivam a guerra na Ucrânia,  assumem uma dimensão mais grave, num contexto de evidente reconfiguração geopolítica à escala global. 

Nenhum democrata deveria ignorar que  quem incentiva o conflito  é a Rússia, que violou fronteiras reconhecidas e o direito internacional, para destruir cidades com violência medieval, vitimando indiscriminadamente civis.

Por seu lado, a  China não é hoje um gigante emergente, à procura do espaço que entende justo, nas relações entre nações. Atingiu um estatuto de superpotência, que rivaliza com os EUA, depois de suplantar largamente a Rússia e deixar a UE às contas com um papel crescentemente exíguo, neste início de século XXI.

Com perto de 1.4 biliões de pessoas, a China soma a modernização científica, tecnológica e militar, ao peso da demografia. Quando o Brasil se lhe junta, contemporizando com a dinâmica beligerante russa, a posição não pode ser desvalorizada.

É por razões de política doméstica que a China não alinha ostensivamente com os propósitos expansionistas de Vladimir Putin. Aceitar a mutilação de parcelas territoriais da Ucrânia, significaria a possibilidade da mesma doutrina vingar em relação a Taiwan. Apesar disso, assegurando juntamente com a Índia as transações comerciais que as sanções  decididas pela ONU e a UE pretendiam impedir, os dois países  retiram-lhes eficácia e financiam  o esforço de guerra russo.

Agravando o  cenário, a UE, persistentemente irrelevante a propósito, divide-se, com Emmanuel Macron à frente de um saudosismo da força de outros tempos,  que bate de frente contra a realidade. Aliás, se o  presidente francês entende que a UE não deve andar a reboque dos EUA, manda a razão que a UE também não cometa o erro de andar a reboque da França. É até caso para se perguntar o que decidiria  Emmanuel Macron no caso de  ocupação da ilha por parte da China?

Ninguém lúcido desejará um novo conflito com epicentro no Leste da China, somado à guerra em solo ucraniano. Mas seguramente que a UE encarará melhor o futuro em tempos de paz, como em tempos de guerra, preservando a NATO e as relações com o principal o mais poderoso aliado, os Estados Unidos da América, do que virando-lhes as costas.

Pelo caminho, o PS decidiu associar Lula da Silva às comemorações do 25 de Abril, sem noção de que o apoio a ditaduras, deveria ser incompatível com o valor da Liberdade que se pretende celebrar. Se as relações entre os Estados devem ser valorizadas e o presidente do Brasil recebido com dignidade,  a ocasião e o lugar só poderiam ser outros.  Pena que a esquerda parlamentar portuguesa não o queira perceber.