Por necessitar de fazer um exame complementar de diagnóstico solicitado por um colega, com a indicação precisa de ser realizado em determinado hospital, fui pessoalmente ao balcão de atendimento para efetuar a respetiva marcação.
Chegada a minha vez, o funcionário que me atendeu não podia ser mais claro: «Para o SNS não trabalhamos; se tem algum seguro de saúde, só daqui a quatro meses; mas se for particular, marco para de hoje a 15 dias».
Perante o meu ar de espanto, incrédulo com o que acabava de ouvir, o funcionário – aliás, correto e atencioso – disse-me sem qualquer hesitação, olhando-me nos olhos: «É o que temos!».
Cercado por todos os lados, não tinha outra alternativa senão fazer os exames particularmente.
Se todo este cenário é já de si muito desolador, fico ainda mais triste e apreensivo ao verificar o estado em que o SNS se encontra.
Conforme se verifica, quem não dispõe de alternativas não tem direito à saúde – o que é lamentável, para não dizer vergonhoso.
A incapacidade cada vez mais evidente do SNS assume maior gravidade por dois motivos.
O primeiro é que a esperança de vida aumentou, vivendo-se hoje até mais tarde. Ora, sabendo-se que à medida que se avança na idade maiores são as necessidades em termos de saúde, não só em consultas médicas e exames complementares como no consumo de medicamentos, sem um SNS eficaz a que portas se poderá ir bater?
Depois, é preciso ter em conta os baixos salários dos portugueses – que na maioria dos casos mal chegam para as necessidades básicas do dia a dia, quanto mais para procurar alternativas de saúde fora da área estatal.
É a nossa triste realidade. É o que temos! Sabendo-se que a única solução está no investimento que permita uma saúde para todos e não apenas para alguns, qual a razão para continuarmos sempre na mesma? Mudam-se nomes, estruturas, estatutos, mas os problemas continuam e a falta de resposta é cada vez maior.
Vejamos, por exemplo, o tempo de espera nas urgências hospitalares.
Mesmo em tempo de ‘acalmia’ – isto é, fora dos períodos críticos sazonais –, o tempo de espera chega a ser de 12 horas ou mais. E porquê? Porque a maioria das situações clínicas são falsas urgências, que deviam ser atendidas nos locais próprios, ou seja, nos centros de saúde.
Mas longe vão os tempos em que nestas unidades se trabalhava para o doente, e em que nós, médicos, tudo fazíamos para não deixar ninguém sem resposta.
Hoje, tudo é diferente. Os objetivos são outros e as diretrizes apontam noutro sentido. Soube há pouco de um caso detetado num serviço de urgência hospitalar, tipicamente uma ‘não urgência’, em que o meu colega, ao explicar ao doente que o seu problema devia ser resolvido no centro de saúde e não ali, obteve como resposta esta hilariante justificação: «Já lá fui, mas não tive consulta. Lamento ter de vir aqui, mas quem não tem cão caça com gato». Está tudo dito. É o que temos!
E podíamos continuar a aplicar a mesma expressão a outras áreas fora da saúde, onde também é preciso uma mudança a todos os níveis. Mudança de comportamentos, de atitudes e da forma de estar na vida. Essencialmente, mais humanidade, solidariedade e dedicação a causas.
Os valores vão-se perdendo. Mas que ninguém desista! Cabe a cada um de nós a difícil mas grata missão de os reencontrar e transmitir. Esta sociedade precisa urgentemente de uma lufada de ar fresco. É isso que procuro incutir no espírito dos meus doentes, quando me dizem, conformados: «Já não há nada a fazer» ou «Já não espero nada da vida».
Há que reagir! Que reaprender a viver com o que temos. Com as limitações físicas e psíquicas que tomaram conta de nós, com as quais nos devemos habituar a conviver, face às novas regras que a vida nos vai impondo. Um dia de cada vez, sem nunca perder a esperança de que o amanhã pode trazer qualquer coisa de novo à nossa vida. É o que nos resta.