Por Alice Vieira e Nélson Mateus
Querida avó,
No próximo dia 25 assinalam-se os 49 anos do 25 de Abril. Estamos em contagem decrescente para as celebrações (que já tiveram início) dos 50 anos de Abril.
Quando se deu o 25 de Abril, em 1974, eu tinha 17 meses. Como tal, para mim, não existe um antes e depois de Abril.
No entanto, ainda hoje recordo as histórias que os meus pais, e os meus avós, me contaram ao longo da vida, sobre o “antes de Abril de 1974”.
Muitas vezes perguntamos aos mais novos: «Que foi que aconteceu no dia 25 de Abril de 1974?». Aparentemente a resposta é fácil. Mas só aparentemente, pois tudo vai depender da idade que têm os que a ela respondem…
Para os mais novos, aqueles para quem 1974 é a Pré-História, 25 de Abril, 10 de Junho, 5 de Outubro ou 1.º de
Dezembro é tudo o mesmo, ou seja, é feriado e isso é que importa. Mas para os mais velhos, as coisas não são assim tão simples.
Aliás, escreveste o livro “Vinte Cinco a Sete Vozes” onde abordas, precisamente, o ponto de vista de diferentes pessoas sobre este assunto.
Penso que devemos agarrar na sugestão que já nos têm feito e fazer um livro sobre este tema.
Com depoimentos de avós e netos de diversas idades, locais, profissões.
Um conjunto de testemunhos com as estórias que mudou a História. As gerações antes da minha viveram o 25 de Abril, de 1974, com alegria e felicidade, pela Liberdade conquistada. Com o passar dos anos, percebemos que os jovens de hoje pouco sabem desses dias distantes. Vamos juntar testemunhos que relatem como era Portugal antes da Revolução dos Cravos. Zeca Afonso, José Dias Coelho, e tantos outros, não podem ser esquecidos! Não será um livro de História.
Mas antes um relato de testemunhos desse período como quem conta uma história…
Tenho ouvido que «tivemos uma ditadura ligeira». Não podemos correr o risco que a Liberdade, e a Democracia, conquistada seja um dia posta em causa!
Bjs
Querido neto,
Como eu digo muitas vezes, a melhor definição do que foi o 25 de Abril encontrei-a no texto de um miúdo, num concurso que fizemos nas escolas logo a seguir ao 25 de Abril:
«O 25 de Abril foi o dia em que o meu pai deixou de bater na minha mãe!».
Não é preciso dizer mais nada.
«Onde é que estavas no 25 de Abril?», como costumava perguntar o meu querido amigo Baptista Bastos. Estava num sítio muito revolucionário, ou seja, a ouvir a “Traviata” no Coliseu dos Recreios…
Entrevistei muitas vezes o Alfredo Kraus (o intérprete principal) e de todas as vezes ele dizia: «não se esqueça de escrever que os primeiros cravos da vossa revolução foram para mim!».
Diante do Coliseu estava já uma “chaimite”, a eu nem reparei. Mais tarde disseram-me que a Joan Sutherland (a cantora principal da “Traviata”) sempre pensou – coitadinha… – que aquele tanque era para a acompanhar ao hotel, ali perto… Acho que nunca ninguém lhe desfez as ilusões.
Chovia desalmadamente – e eu lembro-me de pensar, dias depois,” não me venham cá dizer daqui a uns anos “nem uma nuvem toldava o sol” que é sempre o que se costuma dizer acerca de feitos históricos antigos.
Hoje a maior parte dos jovens nem sabe o que isso foi, o que é muito grave – sobretudo com o avanço da extrema-direita no nosso país.
Mas aqueles primeiros dias da Revolução dos Cravos (“dos escravos”, como aqui há tempos se lia em rodapé num programa da RTP… O que, enfim, vistas bem as coisas, nem estava assim tão incorreto…) foram uma euforia! Uma revolução de esquerda, (temia-se então um golpe de estado do Kaúlza de Arriaga!) sem mortos, uma revolução pacífica e feita por militares era coisa nunca vista.
E, também por isso, temos de a defender.
Como tal, julgo que o teu convite para fazermos um livro sobre este tema é mais do que pertinente.
Liberdade sempre!
Bjs