por Luís Ferreira Lopes
Acomissão técnica independente (CTI) já divulgou a lista de cenários de localizações para um novo aeroporto da capital portuguesa, com o verão a chegar e a Portela a rebentar pelas costuras. Seja qual for a solução para o novo aeroporto, os especialistas sabem que: é urgente encontrar mais espaço para estacionamento dos aviões e libertar uma pista, aviões de carga e área de armazéns. Problema: parece impossível, é assunto tabu e a solução urgente não agrada a certos grupos de interesses instalados. Solução: há uma alternativa debaixo do nariz, mas não tem havido coragem política para decidir.
Governantes, autarcas e técnicos sérios sabem o seguinte acerca da urgência de conquistar espaço dentro da Portela, até ser construído um novo aeroporto na área metropolitana de Lisboa: 1) Poderá ser necessário retirar ou deslocalizar a manutenção da TAP para instalações próximas com pista com capacidade para os aviões de médio e grande porte; 2) Não faz sentido manter ali a base militar de Figo Maduro porque o espaço ocupado pela Força Aérea é mesmo necessário para alargar área útil na Portela; 3) Existe a alternativa próxima de Lisboa, barata na solução logística e com cariz temporário até haver um novo aeroporto (ex: Santarém, Ota ou Alcochete), mas seria preciso convencer as entidades que gerem o património do Estado e as Forças Armadas.
A pista e o depósito militar da Força Aérea em Alverca são a solução provisória que está à vista de todos (inclusive de chefes de Estado ou primeiros-ministros que vão visitar a OGMA, ali mesmo ao lado) e que, sabemos, está a ser estudada pelo Governo, autarquias e empresas. A razão é simples: existência de bons acessos ferroviários (Lisboa/Porto) rodoviários como A1, CREL, IC2 e EN10. Então, se há um ovo de Colombo, como é que não tem sido falado, mesmo que esteja, finalmente, a ser estudado? A falta de coragem política, os lobbies (regionais, empresariais e de ordens profissionais) e os interesses obscuros ajudam a explicar.
A pista militar serve a OGMA, a maior empresa de manutenção de material aeronáutico, detida pela brasileira Embraer e pelo Estado português (visitada há dias pelo Presidente Lula da Silva e por António Costa) e também uma aerogare e armazéns militares (semiabandonados há décadas, mesmo que a Força Aérea negue) que podem ser reconvertidos em hangares e oficinas para a manutenção da TAP e o apoio a aviões de carga e jatos privados, o que libertaria tráfego e espaço para estacionar na Portela. As sinergias da unidade de manutenção da TAP com a OGMA já foram estudadas há longos anos e são óbvias, exceto para o lobby que puxou esse negócio para o sul do Brasil e ajudou a desvalorizar a companhia aérea portuguesa.
É uma solução eficaz, transparente e racional a nível técnico e económico-financeiro. Aliás, parte do dinheiro ficaria em casa, ou seja, as transferências podem ser feitas entre administração central, autarquia e Força Aérea. Se houver decisores políticos (em especial nas Finanças, Infraestruturas e Planeamento) que saibam o que é ir ao local, ver com os próprios olhos e não emprenhar pelos ouvidos dos consultores ou adjuntos que pululam nos corredores dos gabinetes do poder, então resolve-se parte do problema do atual aeroporto internacional de Lisboa, rapidamente e com um custo baixo.
O primeiro-ministro garantiu que haveria uma decisão sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa até ao final deste ano. António Costa já tinha afirmado, em 19 de abril de 2015, quando estava ainda na oposição, que «palavra dada é palavra honrada». Para contextualizar a afirmação proferida então junto de Mário Soares, recordamos a festa/comício que assinalava o aniversário do PS, no pavilhão ainda denominado Rosa Mota, no Porto, onde o secretário-geral do PS prometeu que «os nossos compromissos serão isso mesmo: palavra dada é palavra honrada. É isso que faremos no nosso próximo ciclo de governação». Curiosamente, este ano, o líder socialista voltou ao Porto para festejar os 50 anos do partido do governo e falou do futuro do país.
Temos, então duas premissas. Primeira, a palavra de honra de António Costa de que haverá uma decisão quanto ao aeroporto internacional de Lisboa baseada nos pareceres de uma comissão técnica independente. Por isso, a questão está em saber: a) Se haverá coragem política e técnica para decidir que o aeroporto na Portela deverá ser descontinuado, por motivos óbvios de segurança dos moradores de Lisboa, de impacto ambiental e gestão logística de estacionamento de aviões e cargas; b) Se o Governo e a ANA entendem, de vez, que há uma solução debaixo do seu nariz para mais espaço de estacionamento, manutenção, carga e jatos que fica perto da Portela, na base militar de Alverca, até haver um novo aeroporto de raiz na região de Lisboa. Ou o problema é ser um investimento demasiado acessível que não dá dinheiro a ganhar aos lobbies do costume?
Segundo pressuposto: qualquer solução que inclua a complementaridade com a Portela será sempre transitória, até ser construído um aeroporto de raiz nas localizações apontadas na lista da comissão dita independente (adicionando Ota, se houver coragem política). Na reflexão da semana passada, recordei que a decisão Ota foi planeada, desde os anos 80, por governos Soares, Cavaco e Guterres, o que implicou mudanças de bases de abastecimento de combustíveis do atual Parque das Nações para Aveiras de Cima e construção de autoestradas como a CREL até Alverca do Ribatejo e Carregado (Alenquer) porque técnicos e governantes tinham estudado e previsto a deslocalização do aeroporto da capital do país para a zona norte da área metropolitana de Lisboa (AML), com vantagens nas ligações rodoviárias e ferroviárias e, não menos importante, redução de risco sísmico ao evitar travessias para a margem sul do Tejo. A decisão Ota foi revertida pelo então líder socialista José Sócrates, em 2008, para a opção Alcochete (após o inesquecível jamais na margem sul do então ministro Mário Lino), com a surpreendente anuência do então Presidente Cavaco Silva, nos tempos do influente BES.
O primeiro-ministro – que afastou o desastrado ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos – sabe que a decisão política deve basear-se em fundamentos técnicos e ambientais de maior credibilidade e durabilidade do que os que suportaram a opção Montijo, quer nos tempos de Passos Coelho (em contexto de troika), quer no seu primeiro Governo de ‘geringonça’. Costa também sabe que afirmou, no Montijo, em janeiro de 2019, que «a decisão é esta e surge com 50 anos de atraso», quando defendeu o acordo financeiro e as animações futuristas do aeroporto naquele concelho da margem sul do Tejo, uma opção que os especialistas preveem ficar debaixo de água em menos de duas décadas devido às alterações climáticas e subida dos oceanos. O que fará agora o animal político mestre da tática? Empurra o problema com a barriga e fica prisioneiro dos interesses instalados ou deixa marca, seja qual for o seu futuro político – em Bruxelas ou em Belém?