Por Teresa Nogueira Pinto
2024 será um ano importante, que poderá redefinir as políticas da Europa e da América. Nos Estados Unidos, as eleições primárias para a nomeação republicana arrancam em janeiro, no Iowa; a corrida para a nomeação democrata em fevereiro, na Carolina do Sul, e as eleições presidenciais estão agendadas para 5 de novembro. A campanha, no entanto, já começou. Sem surpresa, o Presidente Joe Biden anunciou a sua recandidatura e, no campo republicano, Donald Trump consolida a posição de liderança. Tudo indica, por agora, que em 2024, Biden e Trump voltarão a competir pela Casa Branca.
A vantagem de Trump
As eleições primárias podem trazer surpresas como em 2016 quando, numa espécie de blitzkrieg, o outsider Donald Trump derrotou o establishment do Partido Republicano e conquistou a nomeação. Sete anos depois, as sondagens, a angariação de fundos e os apoios sugerem que Trump repetirá, embora com menos sobressalto, o feito de 2016.
A sua candidatura, anunciada em novembro de 2022, ganhou fôlego depois de o ex-Presidente ser formalmente acusado por um grande júri de Nova Iorque, num processo criminal que 68 por cento dos eleitores republicanos consideram ser politicamente motivado. O episódio gerou um momentum que aumentou ainda mais a vantagem de Donald Trump face aos outros candidatos à nomeação, confirmados e potenciais.
A vantagem também se reflete nos números. De acordo com informação fornecida pelas campanhas relativamente à angariação de fundos no primeiro trimestre de 2023, Donald Trump liderava com $14.4 milhões, seguido por Vivek Ramaswamy e Nikki Haley. Números que, em março, ainda não refletiam o efeito da acusação. Nas duas semanas depois de Trump se apresentar no Tribunal de Manhattan, a sua campanha recebeu mais de 321.000 doações, 97 por cento das quais de valor inferior a $200. Para além do financiamento, e ao contrário de 2016, Trump também lidera nos apoios entre representantes e dirigentes do partido. Embora longe de ser consensual, o apoio a Trump sugere que é visto como o candidato mais bem posicionado para ganhar a nomeação.
Mas o itinerário até novembro de 2024 é longo e cheio de incertezas. E pode equacionar-se um cenário alternativo. Ron de Santis, governador da Florida e visto por muitos como o candidato ideal para conciliar as bases com o establishment do partido, poderia ameaçar a vantagem de Trump. É possível que De Santis atrase o anúncio da sua candidatura, mas também poderá decidir desistir, por agora, e esperar por 2028.
A confirmação de Biden
Na história das eleições americanas, os Presidentes, por regra, candidataram-se a um segundo mandato, e a tendência é vencerem.
O recente anúncio da recandidatura de Joe Biden não entusiasmou os democratas. Segundo uma sondagem da NBC, 70 por cento dos americanos, e 51 por cento dos democratas, consideram que o Presidente não deveria recandidatar-se a um segundo mandato. Por detrás destes números, estão outros. Joe Biden, se reeleito, iniciará o seu segundo mandato com 82 anos, e a sua condição física tem gerado algumas preocupações (numa sondagem de março da CNN/SSRS, dois terços dos inquiridos consideraram que Joe Biden não está em condições para cumprir de forma eficiente um segundo mandato). Por outro lado, e apesar de algumas vitórias da sua administração, a taxa de aprovação de Joe Biden tem vindo a diminuir desde agosto de 2021 e, na referida sondagem, 65 por cento dos inquiridos declararam que o Presidente não lhes inspira confiança.
Embora, por agora, não se vislumbre alternativa, a combinação entre sondagens pouco encorajadoras, a fragilidade da condição física do Presidente ou as alegações de corrupção envolvendo membros da sua família podem desencadear um cenário alternativo na corrida à nomeação democrata.
2024 não é 2020
Se é verdade que em muitos aspetos 2024 se afigura cada vez mais como um regresso a 2020, existem diferenças importantes. Desde logo o fator de incerteza decorrente do facto de Donald Trump enfrentar uma série de processos legais, não sendo certo como isso irá impactar a sua performance eleitoral e o processo eleitoral. Talvez mais importante, e ao contrário de 2020, em 2024 os americanos serão chamados a escolher entre dois candidatos que já foram Presidentes. O que pode beneficiar Donald Trump, sobretudo se o atual contexto de incerteza económica se mantiver.
O candidato republicano (seja ou não Trump) também beneficiará da possibilidade de escolher um candidato ou candidata a vice-presidente. Oportunidade fora do alcance de Biden, que manterá a não muito popular Kamala Harris. A seleção de um vice pode enviar sinais importantes a segmentos do eleitorado mais difíceis de conquistar, e no caso de Trump nomes como Nikki Haley, Tulsi Gabbard ou Sarah Huckabee Sanders poderão estabelecer pontes com eleitores independentes e com o eleitorado feminino.
O Presidente Biden, por sua vez, deverá fazer campanha a partir de algumas das suas vitórias, incluindo a aprovação de um projeto de infraestruturas no valor de $1 trilião, a Lei CHIPS ou a diminuição da pobreza infantil. No entanto, caso a situação económica não melhore, isto poderá não ser suficiente. É aí que está o calcanhar de Aquiles de Biden, que tem sido avaliado negativamente pelos eleitores em temas como a gestão da economia e da inflação, a segurança das fronteiras ou o combate ao crime.
Finalmente, outra diferença importante tem a ver com o ritmo da campanha. Se, em 2020, as restrições impostas no âmbito da pandemia ditaram uma campanha em ritmo mais lento, em 2024 Biden – o Presidente e o candidato – deverá estar sob permanentemente atenção e escrutínio. E se os comentários intencionais terão custado muitos votos a Trump, as gafes não intencionais poderão ser uma fragilidade para Biden.
Classe média e os Estados decisivos
Assumindo um regresso a 2020, quem estaria em melhor posição para ganhar a eleição? Segundo as sondagens, a competição seria renhida. E o caminho até lá é longo e cheio de incertezas.
Uma coisa é quase certa: as chaves para a Casa Branca continuarão nas mãos da classe média americana, e de um pequeno número de Estados decisivos. O que sugere que por mais apaixonantes que as guerras culturais possam ser, os eleitores votarão com o bolso. Para além disso, em alguns Estados e cidades é provável que questões de segurança (fronteiras e criminalidade) sejam mais salientes do que em 2020. E, finalmente, o tema do aborto também será relevante. Se esta última questão deverá favorecer os democratas, economia e segurança deverão beneficiar os republicanos.
De acordo com uma sondagem recente da McLaughlin & Associates, 65 por cento dos eleitores consideram que a economia americana está a ir na direção errada, e 79 por cento consideram que as suas finanças foram negativamente afetadas pelo estado da economia. Neste momento, as perspetivas económicas são pouco animadoras e mantém-se o risco de recessão. A secretária de Estado do Tesouro, Janet Yellen, alertou para os riscos de incumprimento da dívida, com «consequências catastróficas», num momento em que os republicanos exigem o corte de gastos e Biden não cede no teto da dívida. Entre uma possível crise orçamental e uma Casa dos Representantes com maioria republicana, o espaço de manobra da administração está bastante mais reduzido.
Em democracia, as classes trabalhadoras costumam decidir eleições. E, no que toca a ganhar esse segmento do eleitorado, os republicanos estão hoje em vantagem. Foram aliás, os votos da classe média empobrecida que deram a vitória a Trump em 2016, permitindo-lhe ganhar os estados do rust belt. As mudanças demográficas e sociais da última década alteraram a geografia eleitoral: se nove dos dez distritos congressionais mais ricos dos EUA são hoje democratas, os republicanos representam 64 por cento dos distritos com rendimentos abaixo da média nacional. A geografia eleitoral americana tem-se tornado mais clara, com republicanos a consolidar as suas bases de apoio nas zonas rurais, e democratas nos centros urbanos.
Mas, mesmo com vantagem na frente económica, para assegurar uma maioria Trump teria de conciliar as reivindicações de uma base de apoio conservadora com uma retórica que não afaste eleitores independentes. O que talvez implique uma mudança de estilo que o ex-Presidente pode não conseguir ou não querer fazer, e a gestão cautelosa de temas sensíveis e divisivos como o aborto.
Mas, chegada a hora, tudo se decidirá num pequeno número de estados (os swing states), onde o eleitorado se divide entre republicanos e democratas. E os Estados decisivos também mudaram: o Ohio, a Florida e o Iowa, antes tidos como estados decisivos, são agora estados vermelhos, que um candidato democrata dificilmente venceria em 2024. A Pensilvânia e o Michigan, por sua vez, parecem integrar a ‘muralha azul’. E, independentemente dos candidatos, as eleições decidir-se-ão pelo voto dos eleitores dos subúrbios nos estados do Arizona, da Geórgia, Pensilvânia e Wisconsin. É aí que deverão estar postos os olhos do mundo a 5 de novembro de 2024.