Por João Cerqueira
Nos primeiros contactos com os índios, os espanhóis foram confundidos com deuses. Naturalmente, as índias quiseram logo ter filhos semideuses e assim começou uma rebaldaria sexual de que não havia memória desde as orgias de Messalina. Os portugueses também foram muito bem recebidos pelas índias brasileiras tendo alguns marinheiros desertado para o interior das selvas na companhia destas beldades. Por vezes, havia apenas uma troca de bugigangas por sexo. O impacto destas mulheres nuas sobre os portugueses foi tal que Pêro Vaz de Caminha descreve-as assim: «Uma daquelas moças… era tão bem feita e tão redonda, sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa…». Todavia, o conceito de prazeres da carne para os índios brasileiros não se limitava ao sexo. O aventureiro Hans Staden conta no livro Duas Viagens ao Brasil o costume canibal dos Tupinambás que comiam assados os seus prisioneiros – a invenção do rodízio –, depois de devidamente engordados e de usufruírem do sexo com uma índia que lhes era oferecida.
A História da Colonização das Américas talvez explique o comportamento do sociólogo Boaventura Sousa Santos, justamente um especialista na matéria, acusado de assediar uma brasileira com ascendentes índios e de tentar violar uma genuína índia argentina. Ora como Boaventura também se considera um Deus da Sociologia, dos estudos Pós-Coloniais e da luta por um mundo melhor, tendo uma legião de fiéis que lhe presta culto desde Coimbra até Santiago do Chile, é natural que tentasse replicar o único momento do encontro entre europeus e índias que não envolveu violência e submissão. Dito de outra forma, no encontro com as atuais nativas da América Latina, sendo ainda por cima doutorandas em Sociologia que admiravam a sua obra académica, o Deus Boaventura convenceu-se que seria igualmente adorado por estas duas mulheres no templo do seu apartamento. Porque, a crer nalguns rumores, havia uma romaria de adoradoras ao seu templo desde há muito.
Porém, desta vez deu-se uma inesperada heresia. As adoradoras brasileira e argentina perderam a fé e recusaram-se a participar no culto carnal. E, além da apostasia, também não aceitaram a troca de bugigangas – neste caso, o apoio na carreira – por sexo. Embora estas negas sejam lamentáveis, comprovam as próprias teorias de Boaventura sobre os malefícios da globalização capitalista na cultura índia. Ou seja, elas renegaram os costumes de sexo com o branco das suas antepassadas e passaram a comportar-se como as mulheres do Ocidente capitalista condicionadas pelo conceito de pecado judaico-cristão que, geralmente, não gostam de engates manhosos, nem de sexo com avozinhos. E, quando Boaventura afirma que estas denúncias só acontecem devido ao neoliberalismo, está cheio de razão, pois nos regimes socialistas que ele admira e recomenda não há um único caso de uma mulher acusar um homem com mais poder do que ela seja lá do que for. O mundo pós-capitalista, pós-colonial e pós-patriarcado que Boaventura preconiza será também um mundo pós-assédio e pós-violação.
Um paraíso para as mulheres.
Mas até os deuses cometem erros. Tudo isto poderia nunca ter acontecido se Boaventura tivesse tido algo semelhante à sensibilidade do Padre António Vieira para com os índios – no seu caso, as índias – homenageando as suas culturas. Assim como quando um presidente português vai a um antigo país colonizado e é presenteado com nativos a dançar o Vira, ou algo vagamente parecido, Boaventura poderia ter feito o mesmo. Confiante no seu estatuto divino, Boaventura esqueceu-se de incluir nas cerimónias de sedução as práticas antigas dos índios. Obviamente que não me refiro à prática canibal Tupinambá pondo o restaurante da família onde tudo geralmente começa a incluir na ementa pernas assadas de algum defunto cedido pela Faculdade de Medicina. Não era preciso levar o pós-colonialismo tão longe. Mas poderia, sim, ter procedido de outra forma no seu apartamento. Mal entrassem, colocava um toucado com penas na cabeça, pintava a cara e começava uma dança da chuva ante a certamente estupefacta, mas deslumbrada, índia argentina ou brasileira quase índia, que logo se juntariam à dança. E assim, com os dois aos pinotes na sala, partindo cadeiras e deitando abaixo estantes cheias de livros de Sociologia, já não teria de colocar a mão no joelho de uma e atirar-se para cima da outra. Porque o mais natural seriam estas mulheres comportarem-se como as suas antepassadas no encontro com os europeus.
Dessa forma, talvez tudo se tivesse passado ao contrário. E, em vez de acusado de assédio sexual, talvez Boaventura acabasse a acusar as duas índias de o tentarem devorar.