Estamos no mês de maio, o mês das mães, o mês das flores. Neste artigo, recordo em especial a minha mãe que, no Céu, se lembrará muito bem daquilo que me ensinava quando eu era criança, ao contemplar a beleza das flores que nesta altura do ano enfeitavam o nosso jardim.
Do alto do terraço, víamos aquele cenário deslumbrante das glicínias com a sua forma típica de cachos de uvas de cor azulada que cobriam por completo a parreira, anunciando a chegada da primavera. Numa ocasião, debruçada no parapeito, olhando com ar feliz para aquele espetáculo, a minha mãe disse-me que as flores transmitem uma mensagem: «Um dia vais perceber e nunca mais te esquecerás».
Ora, por estes dias, num passeio a pé por Cabanas do Chão, deparei-me por acaso com as ‘minhas’ glicínias à beira de um caminho. Parei – e vieram-me subitamente à cabeça muitas recordações de infância. Numa viagem pelo passado, ‘apareceram-me’ a família, os amigos da altura e toda uma vida dos tempos que já lá vão.
Já aqui me tenho referido, por mais de uma vez, à importância da família – ainda para mais, sendo eu médico de família…
O conceito de família tem vindo a evoluir com o decorrer do tempo, mas não há ninguém que não reconheça que esta estrutura vital da sociedade está a ser constantemente ‘massacrada’ com as intempéries da própria vida que a vão enfraquecendo e desviando da sua verdadeira missão. Veja-se apenas este exemplo. Antigamente, ninguém acabava os seus dias fora do ambiente familiar, havendo recursos suficientes para responder às necessidades. Hoje, por falta de condições, já quase nunca é assim – e a regra é o final da vida ser na solidão de um lar ou no abandono de uma cama de hospital, onde ninguém conhece ninguém.
O significado da palavra ‘amizade’ também mudou muito. Por aquilo que via nos meus pais, tenho ideia que as pessoas então eram mais sãs; e havia amigos verdadeiros, sendo impensável que não se pudesse contar com eles numa hora de aflição. Hoje, os amigos transformaram-se em ‘conhecidos’, as pessoas dão-se umas com as outras em função de interesses ou de conveniências e a amizade verdadeira perdeu-se.
A vida profissional alterou-se por completo. A minha mãe era professora do liceu e levava a profissão muito a sério. A sua grande preocupação era preparar bem os seus alunos – que constituíam, para ela, uma segunda família.
Naquele tempo um professor era uma pessoa respeitável, por quem todos tinham estima e admiração, e as suas determinações nunca eram postas em causa. Hoje, um professor chega a ser exposto ao ridículo, o seu trabalho não é valorizado e corre até o risco de ser enxovalhado na praça pública. Ao que se chegou!
O meu pai era um ‘médico a tempo inteiro’. Cirurgião de outra época, vivia a sua medicina com grande amor à profissão. Várias vezes os nossos programas familiares de fim de semana foram alterados pelas exigências da vida clínica. Ora, tal como ele próprio deixou escrito, «o que se ganhou com a implementação das novas tecnologias perdeu-se na relação médico-doente», tendo-se passado do «doente com nome para o doente com número».
Mas é da maior justiça realçar também os avanços da ciência e os progressos da medicina, que se traduzem na deteção precoce de muitas doenças, nas novas formas de tratamento e nos prognósticos muito mais animadores. Hoje, vive-se mais e com melhor qualidade de vida, o que é bom ter sempre presente.
Tudo isto desfilou na minha memória naquele momento em que fixei o olhar nas glicínias da primavera que, por acaso, reencontrei numa tarde soalheira à beira de um caminho na aldeia pacata de Cabanas do Chão, onde agora me refugio nos tempos de lazer.
Para além da inegável beleza, do encanto para os olhos e da mensagem de amor, amizade, paz, solidariedade e esperança que podem transmitir, como a minha mãe me dizia em criança, para mim elas representam muito mais que isso: são e serão sempre as flores da minha infância!