Lutas inglórias

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,                                                                                

Já celebramos o 25 de abril e o primeiro de maio. Duas datas onde são reivindicados muitos direitos que, por vezes, mais parecem lutas inglórias.

Por falar em lutas inglórias, os professores lá continuam a reivindicar os seus direitos.

Uma luta ininterrupta que teve início em setembro, e ninguém sabe quando irá terminar.

Nunca devemos parar de lutar por aquilo em que acreditamos! Temos a obrigação de lutar, com todas as nossas forças, na esperança em que estejamos a contribuir da melhor maneira para as gerações futuras.

António Guterres escreveu, recentemente, uma carta à «futura trineta» para ser lida em 2100, pasma-te.

O secretário-geral da ONU tem tido a luta inglória de apelar à humanidade para a necessidade de combater as alterações climáticas. A carta que publicou na revista Time dizia: «Enquanto te escrevo, em 2023, a humanidade está a perder a batalha da sua vida»; «Vais abrir esta carta com um espírito de felicidade e gratidão – ou com desilusão e raiva da minha geração?»; «Estamos a dar cabo do planeta graças à ganância abismal, a ações tímidas e à dependência de combustíveis fósseis, que a cada ano conduzem as temperaturas a novos máximos insuportáveis».

Viste as temperaturas que estiveram ao longo de todo o mês de abril.

O que é que fizemos para salvar o planeta, e o nosso futuro, quando tivemos essa oportunidade? Uma das lutas mais inglórias.

Já sei que no próximo domingo não irás celebrar o Dia da Mãe. Nunca o fazes no primeiro domingo de maio. Durante muito tempo, em Portugal, a data comemorava-se a 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, e ainda hoje há quem prefira celebrar nessa data, como é o teu caso. Outra luta inglória.

A data foi alterada para o primeiro domingo de maio na década de 1970. Este teu neto que tanto te ama sempre a comemorou neste dia. Embora respeite quem não faça.

Bjs

 

Querido neto,         

Efetivamente, existem várias lutas inglórias como tão bem referiste. Como tal, quero falar-te de uma luta de há muitos anos e inglória… Mas, pelo amor de Deus, tirem lá o ‘você’ da vossa língua!!! Cuspam-no, como se se tratasse de um veneno. Claro que se forem brasileiros a questão não se põe.

O brasileiro é uma variante do português, ninguém trata ninguém por ‘tu’ mas sim por ‘você’, e há palavras que eles dizem e nós não dizemos e vice-versa: por exemplo, nunca se lembrem de chamar a uma jovem brasileira ‘rapariga’, e nunca se assustem, se os brasileiros vos disserem que vos vão encher de ‘balas’.

Desde pequena que oiço dizer que ‘você é estrebaria’ (sem insulto para os animais).

Até existia na TVI um programa chamado Você na TV (facílimo substituir o título).

Há tantas maneiras de dizer o mesmo! Se sabemos o nome das pessoas, tratamo-las pelo nome (com ‘Dona’, sem ‘Dona’, conforme a familiaridade), se não sabemos, tratamos por ‘Senhora’ ou ‘Menina’, conforme a idade.

Aqui há tempos, estava a tomar café, quando um dos empregados chegou ao pé de mim e perguntou-me:

«O que é que você vai querer?».

Eu chamei-o e disse-lhe baixinho:

«Não me chame ‘você’! Aqui todos sabem o meu nome, mas pode chamar-me por ‘senhora’, por exemplo.

Dias depois voltei ao mesmo café, e veio o mesmo empregado, todo sorridente:

«Então, minha querida, o que vai ser?».

Eu ri e disse: «Assim também gosto!».

E pronto, o ‘você’ desapareceu…

Aqui na Ericeira, nunca me lembro de alguém, alguma vez, me ter tratado por você…

É quase sempre ‘ó vizinha!’ (mesmo quando eu nem as conheço…), ou então ‘menina Alice’.

E agora livrem-se de, depois deste texto, se virarem para os amigos a dizer: «Vocês têm de ler isto»…

Foi uma luta, mas consegui que abolisses o ‘você’ do teu dicionário.

Aqui não foi uma luta inglória, mas sim uma vitória.

Bjs